Como intelectual sempre tive uma preocupação humanista nas minhas decisões, preocupando-me não apenas em melhorar a sorte do povo brasileiro como também a de toda a Humanidade.
Assim, três coisas me enchem de orgulho. A primeira, ter acabado com a corrida nuclear na América do Sul, onde Brasil e Argentina tinham uma disputa histórica. Assim, juntamente com Raul Alfonsín, então Presidente da Argentina, encerramos essa disputa: ele me levou para visitar a Usina de Pilcaniyeu, na Argentina, e eu o trouxe para visitar a Usina de Aramar, selando a confiança ente os dois países, consagrando o acordo de paz nuclear.
Como resultado desse encontro o nosso continente sul-americano se tornou o único no mundo que não tem armas nucleares, nem aspira a tê-las. Isso, por si só, justifica um Governo, pois se trata de um grande benefício para todos os povos.
Também me orgulha o fato de, como Presidente da República, ter apresentado nas Nações Unidas, pelo Brasil, a Resolução 41/11, que proibia armas nucleares no Atlântico Sul, criando na América do Sul uma Zona de Paz e Cooperação, banindo as armas nucleares na região.
No mundo que volta a viver sob o terror do Dia do Juízo Final, da extinção da vida na face da Terra, lembro que afirmei na ONU que, enquanto existir arma nuclear, a Humanidade estará ameaçada de extinção.
Em 1961, quanto integrei uma Comissão Especial nas Nações Unidas, chefiada por Afonso Arinos, tive a oportunidade — ao lado de Golda Meir, Ministra de Relações Exteriores de Israel; Jawaharlal Nehru, Primeiro-Ministro da Índia; Antônio Segni, Presidente da Itália; Adlai Stvenson, Embaixador dos Estados Unidos na ONU; Andrei Gromiko, Presidente da URSS, entre muitos outros chefes de Estado — de discutir os conflitos regionais. Envaideço-me de ter feito um dos primeiros discursos contra o apartheid, essa ignomínia da África do Sul, vergonha para toda a Humanidade, uma segregação de brancos e pretos.
A terceira foi de ter apresentado no Congresso Nacional, no dia seguinte ao anúncio do coquetel anti-HIV, na Conferência de Vancouver, antes de seu encerramento, um projeto de lei tornando gratuita a distribuição desse medicamento.
A Lei 9.313/96 foi aprovada rapidamente. Mas o próprio Ministério da Saúde, preocupado com a exiguidade dos recursos e temeroso de que fosse uma despesa impossível, foi inicialmente contra ele. O veto foi sugerido. Fui ao Presidente Fernando Henrique, dizendo-lhe que eu não podia, como Presidente do Congresso, aceitar que isso ocorresse. Ele foi sensível à proposta e sancionou a lei. Os primeiros coquetéis foram aplicados pelo Ministério da Saúde em meio a muita controvérsia, mas logo os dados positivos mostraram que aquele era o caminho a seguir. Como a própria lei determina, com a evolução terapêutica os medicamentos aplicados foram mudando, e hoje os resultados são excelentes. Assim, ela foi replicada em muitos países e, aqui e lá, tem salvado muitas vidas.
Naquele tempo, um repórter do New York Times fez uma grande matéria sobre o assunto e me entrevistou perguntando quais eram os grupos de pressão a que eu atendia com a decisão. Simplesmente respondi que a AIDS era a doença mais cruel que já tinha aparecido para a Humanidade, porque associava o amor à morte, e que ninguém me havia pressionado, pois, como intelectual, entendia que devíamos encontrar uma solução a qualquer preço para o problema. Como essa doença atingia os mais pobres, era a eles que deveríamos socorrer prioritariamente. Hoje, esse é um tratamento universal, que retirou da AIDS o espectro da morte.
– José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras