Não sei onde está enterrado o corpo do Barão do Rio Branco (ok, podemos recorrer ao Google), mas tenho certeza de que há tremores enormes por ali. No túmulo dele e de todos os seus sucessores que aqui já não se encontram.
Ver aquela cena do atual chanceler, como um simples tarefeiro, um mero militante, descendo a rampa do Planalto pra buscar e estender uma bandeira para o chefe, foi de doer, foi de dar muita, mas muita vergonha. Não é preciso ter punhos de renda pra sentir engulhos com a imagem de um homem pequeno, que não entende a função e a importância do cargo.
Foi o que fez Ernesto Araújo no último domingo, na rampa do Palácio do Planalto. Apequenou-se, diminuindo também a relevância histórica do Ministério das Relações Exteriores, do qual é titular. Uma lista dos que ocuparam a principal cadeira do Itamaraty apenas da redemocratização pra cá pode dar uma ideia do que se está falando: Olavo Setúbal, Abreu Sodré, Francisco Rezek, Celso Lafer, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Felipe Lampreia, Celso Amorim, Seixas Corrêa (interino e sogro do atual) … Faltam um ou outro, mas basta. Uns ficaram mais tempo, outros menos. Teve até quem ocupou o lugar do Barão mais de uma vez.
Até os de fora da carreira e com menos afinidade com o tema, como Abreu Sodré, demonstraram mais dignidade e respeito ao cargo. Por cinco anos, como setorista de dois jornais no Itamaraty, acompanhei de perto o trabalho de diplomatas e seus chefes.
Sodré foi muita coisa na vida; era um homem rico, com uma belíssima fazenda em São Paulo e apartamento na chiquérrima Avenue Foch, em Paris. Mas não entendia nada de diplomacia, misturava as coisas (inclusive a pronúncia de muitas palavras, para deleite dos jornalistas e caras envergonhadas dos diplomatas), às vezes falava o que não devia… Merece uma crônica à parte, mas aí é uma outra história.
Sodré, no entanto, sabia das suas limitações. Deu autonomia ao seu secretário-geral, o experiente embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, ouvia os assessores, tinha consideração pelo corpo técnico do ministério.
Quanto aos ex-chanceleres oriundos da carreira, podiam enfrentar em maior ou menor grau alguma resistência interna ou as maldades vindas daquele ofidiário, como também é conhecido o Itamaraty. Mas isso faz parte.
Não sei se seria muita ousadia dizer que o atual chanceler é uma unanimidade. Talvez ele tenha sua turma. Ou os que eternamente bajulam os de cima pra avançarem na carreira. Isso é pouco, muito pouco.
Assim que ele assumiu, perguntei a um amigo diplomata, já aposentado, o que ele poderia me contar de Ernesto Araújo. Recebi uma resposta tipicamente itamarateca: “Não havia nada para contar até pouco tempo atrás, agora há demais….
E isso foi no começo. Hoje, estão todos horrorizados com o que diz, o que não diz, o que escreve e o que fala o chanceler. Cabe sobretudo aos aposentados verbalizarem as críticas. E alguns ex-ministros, que recentemente assinaram um manifesto contra as sandices ditas por Araújo.
Ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Marcos Azambuja resumiu o constrangimento – ou, mais que isso, a indignação – com que os antigos diplomatas enxergam a atual gestão: “Nós estamos tendo uma política externa simplesmente lunática, que causa danos a nós mesmos, que é injustificável à luz dos nossos interesses e valores”.
Os desatinos de Ernesto Araújo – do “comunavírus” e outras teorias conspiratórias às agressões a aliados, passando pelo absurdo corte dos jornais brasileiros para os postos no exterior – podem ser conferidos no noticiário. E dariam pano pra muita manga. Mas há analistas mais qualificados se ocupando disso.
A mim, apenas, fica o choque com o registro da imagem, que custei a acreditar ser verdadeira, daquele homem minúsculo a correr pela rampa, resfolegando, pra agradar o chefe. Nem os seguranças faziam este papel…
Que vergonha, senhor chanceler!