O presidente russo Vladimir Putin, de 67 anos, poderá bater o recorde de Josef Stalin e ficar no poder por um total de, pelo menos, 36 anos, graças à mudança constitucional que promoveu depois de um plebiscito. No comando do país desde 1999, o presidente russo, cujo mandato atual terminaria em 2024, conseguiu que a Constituição lhe garanta a possibilidade de mais duas reeleições.
Putin conseguiu driblar a Constituição pós-soviética da Rússia, que só permitia uma reeleição, ao passar um período como primeiro ministro. Elegeu Dimitri Medvedev, mas retornou logo depois do encerramento do governo de seu preposto (2008/2012).
O presidente conseguiu popularidade com um crescimento consistente do PIB nos seus primeiros sete anos de governo – ele tomou posse em dezembro de 1999 para completar o mandato de Boris Ieltsin, que renunciou em meio a uma crise e à própria incapacidade física. Alcoólatra, recuperando-se de cirurgias de ponte de safena e com a quebra econômica de 1998, ele estava acabado. Assumiu o vice Vladimir Putin, prometendo reformas, em meio a denúncias de que altos funcionários da KGB tinham se apropriado de empresas estatais durante os anos Ieltsin.
O presidente russo tem a oposição de uma parte da população mais jovem, que sonha com uma democracia nos moldes ocidentais e mais liberdade. Mas é bastante popular entre os mais velhos, que cresceram habituados à ditadura soviética e à segurança econômica que lhes era garantida com empregos públicos. Seus primeiros anos de governo foram de grande crescimento econômico, época da criação dos Brics.
Ex-chefe da KGB e da FSB, os temidos serviços secretos soviéticos, Putin manteve a máquina de espionagem ativa e operante, controla o poder com mão de ferro, e é acusado de ser o mandante de pelo menos cinco atentados contra adversários políticos e espiões russos que mudaram de lado. Ser de oposição na Rússia ainda é uma tarefa de risco. A última vítima foi o principal opositor, Alexey Navalny, de 44 anos, envenenado com a substância tóxica novitchok, que já havia sido usada contra um ex-espião em Salisbury, na Inglaterra, em 2018.
Alexey Navalky embarcou às oito horas da manhã na cidade de Tomsky, na Sibéria, com destino a Moscou, no dia 20 de agosto último. Chegou em jejum ao aeroporto e tomou apenas uma xícara de chá em uma lanchonete do terminal. Com menos de uma hora de voo, começou a passar mal, vomitou no banheiro e, em pouco tempo, estava urrando de dor.
Os quatro comissários começaram a gritar por socorro médico, e apenas uma enfermeira se apresentou. O avião fez um pouso de emergência ainda na Sibéria, em Omsky às 9h30, e Navalny foi levado a um hospital. Os médicos disseram não haver sinal de envenenamento, mas os aliados e parentes do político conseguiram removê-lo dois dias depois para Berlim, onde foi diagnosticada intoxicação com o novitchok. Navalny ficou vários dias em coma induzido e com ventilação mecânica. Ainda é impossível prever as sequelas do atentado.
O novitchok fora utilizado antes em Sergei Skripal e em sua filha Yulia, na forma gasosa, em 2018, em Salisbury, sul da Inglaterra, onde o ex-espião morava com a mulher, morta por um câncer em 2010. Ex-militar, o coronel Skripal fora recrutado pelo Serviço Federal de Segurança Russa (FSB), e se tornou um espião na Europa. Em 2006, foi condenado em Moscou a 13 anos de prisão, acusado de vender por US$ 100 mil aos ingleses do MI-6 uma lista de agentes secretos russos que atuavam no continente. Acabou trocado por 10 agentes russos presos nos Estados Unidos e recebeu o perdão do então primeiro ministro Dimitri Medvedev, em 2010.
Foi morar em Salisbury, ficou viúvo e em março de 2018 recebeu a visita da filha Yulia, de 33 anos. Depois de almoçar em um centro comercial da cidade, os dois foram encontrados em um banco, desfalecidos e em estado grave. No hospital da cidade, ficou constatada a intoxicação com novitchok em forma gasosa – havia vestígios também no restaurante em que almoçaram. Os dois sobreviveram, com sequelas.
O ex-agente do FSB Alexander Livtnenko, de 43 anos, foi envenenado com a substância radioativa polônio-210 quando tomava chá com dois ex-agentes russos no Millenium Hotel, no centro de Londres. Livtnenko estava investigando o assassinato da jornalista Annis Politkovskaya. Desde 1999, ele estava em desgraça na Rússia, pela forte oposição.
Enquanto aguardava um segundo julgamento, foi solto e fugiu para a Inglaterra, onde escreveu dois livros acusando o presidente Vladimir Putin de atentados terroristas e assassinatos políticos para garantir o poder. Após o envenenamento por radiação, Livtnenko apontou novamente, ainda no hospital, o governo russo como responsável pelo assassinato da jornalista e pelo atentado que sofrera. Morreu 23 dias depois, em 23 de novembro de 2006.
Annis Politkovskaya foi assassinada com cinco tiros de pistola no elevador do prédio em que morava em Moscou, em 7 de outubro de 2006, exatamente no dia em que Vladimir Putin completava 54 anos. Famosa pela militância por direitos humanos e por denúncias contra seu próprio governo, Poliltkovskaya trabalhara na guerra da Chechênia (1994) como repórter, e acusava o governo russo de violação aos direitos humanos contra os adversários, além de corrupção. Cinco homens foram presos pelo assassinato, sendo quatro deles irmãos.
Mas os braços da antiga KGB são longos. Em 5 de setembro de 2004, o candidato à presidência da Ucrânia e adversário da Rússia Viktor Yushchenko foi envenenado com dioxina na comida durante uma viagem de campanha. À época, os dois países da antiga União Soviética estavam no auge de uma disputa pela Crimeia e pelo transporte de gás russo para a Europa por um gasoduto que passava pela Ucrânia.
Yushchenko, então presidente do Banco Central ucraniano, tinha uma postura contrária à Rússia e favorável a uma aproximação cada vez maior com a Europa Ocidental. Com um rosto de galã, uma espécie de Rock Hudson eslavo, foi internado e teve o rosto deformado pela dioxina. Em menos de um ano, fez 24 cirurgias para correções na face, o que pouco adiantou. Elegeu-se em 2005 e governou até 2010. As investigações apontaram para ex-agentes ucranianos da KGB ainda fieis a Moscou.
A última façanha de Vladimir Putin não tem ainda comprovação: é acusado de ter interferido de forma ostensiva na eleição de Donald Trump há quatro anos.
— Cezar Motta é Jornalista