Nos idos do final dos anos 1980 do século passado – olha o Corona, Coroa! – fui deputada num pitoresco estado desta República. “Caxias”, eu tentava, com aplicação e denodo, aprender as “firulas e dribletes” da nova função.
E ficava, às vezes, muito tempo no plenário vazio, só para ouvir um bom orador, o líder do governo e até para ouvir a mensagem do chefe do Poder Executivo, tradicionalmente enviada à Assembleia Legislativa no início dos trabalhos de cada ano, prestando contas do que fizera no ano anterior e, às vezes, adiantando o que pretendia realizar no ano corrente.
Tédio total. Até sonolência, confesso. Sonolência até que me dei conta, no segundo ano em que assim agi, que o governador repetira, naquele ano, a mensagem do ano anterior, sem tirar nem pôr. Desrespeito total ao Parlamento!
Pus a boca no trombone, isto é, no microfone, e a partir daí fui notícia obrigatória nos jornais, rádios e TVs – menos na Globo, que me boicotava.
Aprendi a ler sempre o Diário Oficial. Fiquei “craque” nisso. E meio que viciada.
Já na Câmara dos Deputados, descobri uma esperteza de FHC manobrando com a combinação de diferentes artigos da Constituição Federal e assim abrindo o mercado brasileiro para os bancos estrangeiros. Isto enquanto nós, no Congresso Nacional, não nos entendíamos acerca da regulamentação do Sistema Financeiro, que herdara da Constituinte de 1988 uma série de prescrições nunca seguidas (por exemplo, a famosa emenda Gasparian, que fixou o teto de juros em 12% ao ano).
Muito mais tarde – aí eu já havia deixado o partido pelo qual me elegera e deixara a vida pública – também descobri a veracidade do mote “Lula é o Pai dos Pobres e a Mãe dos Ricos”, como Getúlio Vargas também o fora: o operário eleito presidente fizera aprovar, com o concurso de sua linha de frente no Congresso Nacional, uma emenda constitucional que reduziu o controle do Estado brasileiro sobre o Sistema Financeiro. Estes podem deitar e rolar por aqui (Emenda Constitucional número 40, de 2003).
Presa em casa, como todos os brasileiros devem(veriam) estar, dou de cara com uma lei datada de 6 de fevereiro de 2020, publicada no DOU do dia seguinte e assinada por Bozo, Mandetta e Moro, pela qual se instituíram no Brasil e/ou se permitiram TODAS as medidas que foram até agora implementadas ou simplesmente anunciadas sobre o enfrentamento ao novo coronavírus. Medidas essas que Bozo agora nega e despreza e que o Ministro da Saúde não mandou implementar antes que a vaca quase fosse pro brejo.
Entre as iniciativas a serem tomadas pelo Ministro da Saúde estão a imposição de isolamento e quarentena, observados os prazos da Organização Mundial da Saúde, e a delegação às autoridades respectivas estaduais e municipais do poder de determinar aspectos obrigatórios a critério dessas autoridades (daí o fechamento de praias, de praças etc.), como agora frisa Mandetta nas suas entrevistas coletivas.
Isto posto, caberia indagar: Quem se esqueceu de quê? O presidente? Os ministros?
Por qual razão ninguém dela falou e por que só começaram a falar de coronavírus ou covid-19 em meados de março?
Os que dizem ou escrevem sobre a omissão da China em relação à pandemia por que não investigam o que aconteceu, de verdade, no Brasil?
À imprensa – indiscutivelmente imprescindível à democracia – mãos à obra. Descubram, por favor, por que a Lei de Quarentena passou dois meses quase despercebida?
* Sandra Starling é advogada e mestre em Ciência Política pela UFMG