Os 7 pecados: da Gênese ao Apocalipse

O calvário da operação lava jato foi pré-datado. Nasceu em 1º de novembro de 2018. A autoimolação foi gestada a partir da evangelização de Sérgio Moro por Jair Bolsonaro, que o nomeou para o Ministério da Justiça. A repercussão foi negativa entre os procuradores da congregação. Eles trocaram juízos reprovando a conversão herética de Sérgio Moro. A procuradora Janice Ascari foi mencionada pelo site “The Intercept” em uma confissão no grupo “Winter is Coming” fazendo críticas ao ex-juiz. “Moro se perdeu na vaidade. Que pena”, teria dito, frisando o pecado em nome dos quais se comete todos os outros: Vaidade ou soberba.

“Ele se perdeu e pode levar a Lava Jato junto. Com essa adesão ao governo eleito toda a operação fica com cara de ‘República do Galeão’, uma das primeiras erupções do moralismo redentorista na política brasileira e que plantou as sementes para o que veio dez anos depois”, opinou o procurador-profeta João Carlos Rocha. A maldição sobre as ruínas das República paralelas, no caso a de Curitiba, vai se confirmando. Moro foi espremido e expelido por Bolsonaro depois da discórdia pelo controle da guarda pretoriana. Deltan Dallagnol deixou a centúria da lava jato em 1 de setembro, já desfalcada de Carlos Fernando Lima. Em São Paulo houve uma diáspora da lava jato que, agônica, ainda ensaia resistência locais. Movida, talvez, pelo pecado da ira, após a dupla punição de Dallagnol e o êxodo de Moro.

Ex-ministro Sérgio Moro – Foto Orlando Brito

Os demônios da lava jato foram eviscerados a partir de junho de 2019, quando o site “The Intercept” começou a divulgar diálogos pecaminosos. Alguns são verdadeiros sacrilégios jurídicos envolvendo procuradores, Deltan Dallagnol e Sérgio Moro em grupos de comunicação instantânea. De lá para cá a lava jato acumulou derrotas em várias irmandades. Os dogmas dos lavajatistas foram sendo crucificados, um a um. Apenas os catequizados acríticos não testemunharam que o vento passou a soprar na direção contrária e profanou o projeto de poder concebido a partir de um messianismo irreal. A ambição política do grupo, explicitada nas conspirações, caracteriza a gula, a ganância pelo poder, outro pecado bíblico.

No parlamento os reveses se acumularam. O grupo denominado “Muda Senado”, apóstolos da idolatria morista, pregou no deserto. Uma das primeiras derrotas foi a PEC do Senador Oriovisto Guimarães, relatada por Esperidião Amin, tentando enquadrar o Poder Judiciário e a concessão de liminares. Ela foi rejeitada. Os mesmos devotos doutrinaram fervorosamente na novena para exorcizar a aprovação da lei de abuso de autoridade. Derrotado, o grupo pediu veto integral à proposta e também saiu perdendo nessa jihad. O Congresso derrubou 18 deles, apostos pelo capitão Jair Bolsonaro.

Leais ao catecismo lavajatista, os sacerdotes do “Muda Senado” viram negada por 3 vezes, como Pedro, a CPI da Toga. Encontraram resistências e não conseguiram reunir fiéis suficientes para outra tentativa de circuncidar o Judiciário. Ainda no Congresso, os códigos pontificados por Sérgio Moro foram reescritos. O que ele batizou de pacote anticrime, apresentado à Câmara dos Deputados, foi desidratado. Os três principais salmos do pacote foram excomungados: A plea bargain, a possibilidade de prisão após a condenação em 2 instância e o excludente de ilicitude, a chamada licença para matar.

O procurador Deltan Dallagnol

Ainda no parlamento, o Senado Federal, herança romana, rejeitou 2 nomes ligados à seita da lava jato para vagas do Conselho Nacional do Ministério Público. Lauro Nogueira e Demerval Farias foram recusados pelo excesso de devoção a Deltan Dallagnol. O ex-missionário-chefe do culto perdeu a blindagem corporativista no CNMP. Foi censurado por 8 votos a 3 depois de afirmar que o STF era leniente com a corrupção. Em nova derrota, Deltan Dallagnol foi advertido novamente pelo ativismo político na eleição à presidência do Senado em 2019.Há 8 representações por outras profanações que podem, em tese, redundar em penitências mais severas.

No Legislativo e nos tribunais eleitorais a lava jato também purgou um sacrifício emblemático. A ex-senadora e serva do lavajatismo, Selma Arruda, eleita sob o cântico de “Moro de saias” foi cassada pelo TRE de Mato Grosso e o Tribunal Superior Eleitoral confirmou a expiação por uma espécie de farisaísmo moderno e milagroso. Ela foi expelida do mandato por abuso do poder econômico e utilização de caixa 2. Sérgio Moro teria tentado interceder junto aos aliados no alto clero da toga para tentar salvá-la do martírio, mas foi inútil.

No Executivo, o Judas na ceia eleitoral foi identificado tardiamente. Na primeira missa Sérgio Moro viu o COAF migrar da sua prelazia para a diocese econômica. Antes da demissão, pecaminoso parricídio, o resultado do concílio para escolher o PGR foi outro revés duro. Augusto Aras foi indicado ignorando o evangelista Moro sobre sacerdotes da lava jato para o posto. A reação poderia caracterizar o pecado da inveja. As baixas na Polícia Federal no Rio e na direção geral apertaram a coroa de espinhos. Moro praguejou contra Bolsonaro. Entre tantas gravidades apontou um delito até agora não comprovado. Desatenção ou preguiça em relação aos demais. Outro pecado.

Aldemir Bendine – Foto Orlando Brito

As maiores derrotas foram na arena do STF. O maior malogro se deu na anulação de um acordo nada celestial. Por ele a lava jato administraria R$ 2,5 bilhões dos recursos repatriados dos EUA a partir das ilegalidades contra Petrobrás. A avareza condenada pelos cristãos. A trava foi do ministro Alexandre Moraes. A sentença condenatória contra Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobrás, também foi reformada pelo arcebispado do Judiciário. Ela beneficiou outros 143 condenados que foram prejudicados pela falsa teologia que profanou a sagrada defesa.

Outro contratempo emblemático ao lavajatismo se deu em torno da prisão após condenação em 2 instância. O julgamento foi decisivo para liberdade do ex-presidente Lula. Por 6 votos a 5, revisando os manuscritos anteriores, os cardeais do Judiciário liberaram o candidato afastado da eleição de 2018 pelas mãos de Sérgio Moro. Agora o STF se prepara para julgar ainda este semestre a parcialidade de Moro que, em tese, pode ressuscitar o petista para corrida presidencial e encaminhar o ex-juíz para uma árida via jurídica, onde chegou conduzido pela luxúria em busca do poder.

Ex ministro de Lula e Dilma no depoimento da LavaJato em Curitiba

Ainda no STF os insucessos vão se acumulando também na Segunda Turma, desfalcada temporariamente do decano Celso Mello. A delação de Antônio Palocci, cujo sigilo foi suspenso por Moro às vésperas da eleição, foi considerada pífia e excluída da acusação contra Lula. Sérgio Moro, versão curitibana de Herodes na perseguição a inocentes, também foi considerado parcial no julgamento de um doleiro no caso do Banestado. As sinalizações na Segunda Turma para a lava jato, no caso Lula, são verdadeiras anunciações. Os empates têm favorecido os réus.

O PGR Augusto Aras – Foto Orlando Brito

A credibilidade do evangelho lavajatista está abalada e o pacto com grande mídia também foi arranhado em alguns veículos. A grande maioria das heresias são anteriores à entronização de Augusto Aras no comando da PGR. Os únicos fatos recentes se referem a possível investigação camuflada contra Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre e acordos com agências internacionais que motivaram uma auditoria na lava jato. É diversionismo atribuir a Aras os seguidos dissabores da operação e invocar a liberdade de expressão para travestir o ativismo político do tribunal do Santo Ofício curitibano.

Augusto Aras age para excomungar a sacralidade da operação que se anunciava como um arcanjo, pairando acima das instituições e imune a punições por eventuais pecados. Sem remissões, após blasfemar contra a democracia, as escrituras acertadas não salvarão a lava jato das trombetas do apocalipse. As novas procissões midiáticas, a origem dos pecados, são insuficientes para evitar o juízo final. O MP do Rio de Janeiro exorcizou Flávio Bolsonaro sem recorrer aos rituais pagãos de Curitiba, como a relativização da inocência, abuso das coercitivas e prisões apenas para delatar. Nessa guerra entre Deus o e Diabo, com os papéis se alternando, o Brasil vai sendo condenado ao pior dos infernos.

Deixe seu comentário