O estranho caso do comportamento brasileiro em tempos de pandemia

Mulheres que negam as conquistas do feminismo. Homens que negam os benefícios das vacinas. Homens e mulheres que negam o coronavírus. Este país existe? Onde fica? No que acreditam seus habitantes?

Conforme determinado por este organismo internacional, apresentamos o relatório realizado por nossa equipe de pesquisadores, cientistas, técnicos e especialistas sobre o comportamento dos brasileiros no decorrer da pandemia do coronavírus no ano de 2020.

Ao desembarcarmos nas novas terras, deparamo-nos com seres estranhos, muito estranhos. Não tanto pela fisionomia, pois andavam vestidos e calçados. Não andavam nus nem portavam cocares na cabeça. Tampouco faziam uso de arco e flecha como instrumento de defesa. Alguns, os mais estranhos, faziam apenas um movimento com as mãos, que simulavam uma arma de fogo. Mas pareciam inofensivos, ao menos nessa fase inicial.

A que se deveu nosso estranhamento, então?

O estreito contato com os moradores locais (eles nos pareceram muito receptivos aos estrangeiros, esforçando-se até demais para imitá-los) nos fez perceber algumas peculiaridades em seus hábitos.

Estudos pormenorizados revelaram que os brasileiros acompanharam, com vívido interesse e comiseração, as noticias recebidas da Itália nos primeiros meses do ano corrente, manifestando nítida empatia com o povo italiano, com o qual se solidarizavam honesta e sentidamente.

Grudados em seus aparelhos de TV, acompanhavam diariamente as trágicas notícias vindas daquele país, manifestando-se chocados com os incríveis 200 ou 300 óbitos diários ali ocorridos. Comoveram-se verdadeiramente com as cenas do isolamento obrigatório, com os enterros, com as músicas cantadas e tocadas nos balcões externos das residências italianas.

Nossa missão exploradora, entretanto, não conseguiu interpretar ou decifrar o comportamento subsequente desse mesmo povo tido como solidário. Isso porque, algumas semanas após, o Brasil foi igualmente acometido pela mesma pandemia, chegando a atingir, em seu momento mais agudo, a marca de 1200 óbitos diários, número este que perdurou por muitas semanas.

A empatia ao povo estrangeiro não foi repetida, contudo, em relação aos seus próprios cidadãos. Para nosso espanto, as fotos recolhidas dos jornais da época reportaram estranhas danças com caixões, recusa ao uso de máscaras de proteção, inexplicáveis aglomerações nas ruas dos grandes centros urbanos e, mais recentemente, enormes congestionamentos nas estradas que conduziam a população às praias desse imenso país.

Nossa equipe ficou atormentada com essa mudança espetacular de comportamento em tão curto decurso de tempo.

Chegamos mesmo a cogitar da presença de algum outro vírus que pudesse ter atacado, em caráter concomitante, o sistema cerebral do povo brasileiro. Nada de concreto, contudo, foi confirmado neste aspecto. As tentativas, até o momento, restaram infrutíferas. As amostras recolhidas não demonstraram nenhum elemento peculiar, viral ou bacteriológico, em tal sentido.

Na desesperada tentativa de obter resultados, passamos para outra linha investigativa. Começamos a colher amostras comparativas entre padrões que consideramos equivalentes.

Por exemplo, pegamos amostras de integrantes populacionais do sexo feminino, que viveram no período estudado e que apresentaram condutas aparentemente incongruentes com a sua identidade de gênero. Em resumo, mulheres que manifestavam ojeriza ao movimento feminista.

Nossos cientistas achavam que o padrão poderia ser compatível , pois o comportamento bizarro e incongruente ali também se apresentava de forma manifesta. A atitude revelava grande semelhança com o comportamento dos brasileiros que manifestavam ojeriza ao isolamento social, porquanto em clara dissonância com seu instinto de sobrevivência.

Para a realização de nossa pesquisa, elaboramos diversos questionários, que foram distribuídos às voluntárias.

Todas responderam de forma uníssona ao primeiro item de nosso questionário, autodeclarando-se antifeministas.

Todavia, ao responderem o 2º item do questionário, as respostas também foram unânimes: o grupo, em uníssono, declarou gostar muito de usar calças compridas, minissaia, biquíni e maquiagem.

A resposta ao quesito de número 3 foi igualmente interessante: todas eram favoráveis ao direito de divórcio.

O item 4 foi revelador: todas achavam que deveriam ganhar o mesmo salário que os homens que exercessem funções idênticas às suas.

A resposta de outro quesito também nos chamou atenção: todas consideravam imprescindível a manutenção do seu direito de votar e votada.

Ao terminarem a tabulação dos dados da enquete, os pesquisadores, contudo, não souberam explicar os resultados, pois a análise concomitante da história brasileira demonstrou que esses direitos que as antifeministas consideraram indispensáveis teriam sido conquistados com muita dificuldade por… ora vejam, mulheres feministas! Que lutaram e enfrentaram uma gama enorme de dificuldades e preconceitos.

Um subquestionário foi então elaborado, para que as antifeministas pudessem dizer sobre a provável origem dos direitos acima mencionados. A tabulação dos dados revelou que a grande maioria das entrevistadas respondeu que o exercício de tais direitos teria sido garantido: a) por vontade de Deus; b) por boa vontade dos governantes; c) pela gentileza dos homens que desejavam espontaneamente dividir o seu poder. Ou seja: nada as fazia interligar os direitos conquistados à luta de outras mulheres, às suas antepassadas.

Um caso verdadeiramente peculiar. Tão peculiar como o caso dos brasileiros que não viam semelhança alguma dos seus 1200 mortos com aqueles 300 mortos da Itália e com as medidas restritivas que foram impostas aos habitantes daquele país europeu.

Nossos pesquisadores não desistiram. Continuaram confiantes, pois achavam que o cruzamento das amostras das antifeministas com os frequentadores das praias e bares brasileiros haveria de dar alguma pista para a resolução do enigma brasileiro.

Efetivamente, alguns padrões bem similares foram encontrados nas duas amostras. Com efeito, os DNAs pareciam convergentes, notadamente no que tange ao código genético relacionado à coerência, ou melhor, da incoerência.

Enfim, após testes, cruzamentos de dados e observação histórica e ocular dos fatos, nossos cientistas chegaram à conclusão da existência do parentesco genético dos representantes das duas amostras.

De posse desses relevantes resultados, aguardamos, em caráter de urgência, a remessa de insumos, recursos humanos e materiais, indispensáveis à continuidade de nossos estudos. Estamos – todos – empenhados em ajudar essa estranha comunidade.

Acabamos de detectar um outro vírus (ou mutação genética do primeiro) que se alastra em ritmo assustador e ataca esta comunidade já tão fragilizada: os adeptos do movimento antivacina.

* Eliane de C. Costa Ribeiro é juíza do Trabalho aposentada

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