O breviário da onda direitista para assassinar as democracias no mundo apresenta premissas convergentes de supressão do Estado de Direito. A deterioração política, freios institucionais e desaprovações sociais obrigam o abandono de alguns métodos, mas os que sobrevivem são manuseados recorrentemente. No Brasil, a primeira tentativa foi matar a democracia.

O capitão tentou deslegitimar as instituições, chamou golpe, encorajou enfrentamentos, investiu contra a imprensa e conspirou contra direitos fundamentais. Diante do malogro da quartelada foi coagido a abdicar de algumas estratégias, mas segue adepto daquelas ainda disponíveis. Remanescem a desarticulação da União, o extermínio do bem-estar, a terceirização dos fracassos, a mentira e marginalização da racionalidade e do conhecimento.

Queimada da Amazônia – Foto Vinícius Mendonça/Ibama

O aniquilamento da Nação é visível em múltiplas esferas da vida nacional. A destruição está em curso no meio ambiente, educação, política externa, na ética, na saúde e na economia. A inflação ressurge ameaçadora; a fome volta mortal; o desemprego explodiu (recorde histórico de 14,1 milhões sem trabalho); o real é uma das moedas mais desvalorizadas mundo; os investidores fugiram; a renda per capita é a mais baixa desde 2010; a dívida pública caminha para 100% do PIB; o fim do auxílio emergencial, que falseou o PIB ruim do terceiro trimestre, pode engatilhar uma explosão social e o ceticismo mundial incinerou nossa imagem diante da inércia e do ilusionismo inverídico do crescimento em “V” do ministro da semana que vem, Paulo Guedes.

O ex-presidente americano Al Gore

No cenário externo voltamos a ser o elo perdido. Sinônimo de retrocesso, instabilidade, despreparo e mote das chacotas. As exposições toscas do capitão nos rebaixaram no mundo. Pronunciamentos medíocres e a oferta para explorar a Amazônia feita ao ambientalista Al Gore servem apenas de troça. Arruinaram a conceituada diplomacia brasileira em nome de simpatias fascistas. Todos supostos aliados do capitão perderam eleição em seus países. Emblemática foi a sabujice a Donald Trump e o velho complexo de vira-lata. Desprezando a reciprocidade, cedemos em tudo e não obtivemos nada. A vaga na ODCE foi dada a outros.

Trump foi enxotado e Bolsonaro ameaçou os EUA de Joe Biden com pólvora. O capitão achava que tinha um amigo americano e, agora, tem um inimigo. Na América Latina o Brasil também perdeu as apostas na Venezuela, nas eleições da Argentina, da Bolívia e no plebiscito chileno. O soluço da ultradireita vai se dissipando e o Brasil marcha para um isolamento mundial. O negacionismo que vitimou mais de 170 mil brasileiros na pandemia é desinibido e alastrou-se. Além de contestar os desmatamentos, a gravidade sanitária, os arautos da insipiência se atrevem a fazer novos diagnósticos infundados.

Refutam o racismo no Brasil, histórico e evidente nos números da violência, discrepâncias salariais e na vida eleitoral. O racismo está tão enraizado que ganhou status de crime imprescritível e inafiançável. Apenas em 2017 trabalhadores domésticos – maioria negra – conquistaram férias, 13 salário, FGTS entre outros. Era uma casta desamparada.
Na ética o embuste da nova política empilha escândalos e os mitos revelaram-se profanos.

O ex-ministro Sérgio Moro – Foto Orlando Brito

A parcialidade de Sergio Moro e da cúpula da Lava Jato foi decisiva para proscrever um forte candidato a presidente. Inviabilizado para o STF e presidência, o verdugo foge para os EUA. Vai faturar alto com a ruína que comandou. Criou o vírus e agora é a suposta vacina. A frase dele a uma deputada desimportante (“não estou à venda”) soa insincera. Além dele, 2 ministros respondem por corrupção, o PSL é investigado por uso de laranjas e o vice-líder do governo foi pilhado com dinheiro nas nádegas. São graves as denúncias contra Flávio Bolsonaro e os R$ 89 mil na conta da primeira-dama seguem sem explicação. O socorro político após o malogro do golpe veio de salteadores notórios. Ícone da onda Bolsonaro, Selma Arruda, a “Moro de Saias” foi cassada. Ainda assim a corrupção se presta a falsidades. O próprio capitão decretou seu fim. As verdades irretorquíveis o desmentem, principalmente as de casa.

As ofensivas para aniquilar avanços civilizatórios e programas sociais estão no desmonte dos órgãos de controle do meio ambiente, na conspiração permanente contra a educação, contra a cultura, contra minorias, contra as liberdades e os direitos individuais e coletivos. O extermínio de redes de proteção social ameaça os mais pobres. Estão na sanha devastadora do governo a universidade pública, SUS, Fies, ProUni, entre outros programas. Governos tacanhos têm compulsão por tentar transformar mentecaptos em referências. Os fascistas, os ditadores, os milicianos, os facínoras e os generais ineptos são objetos rotineiros de condecorações, elogios e homenagens. Uma tenebrosa galeria da obtusão.

A maior alegoria da desqualificação está na Saúde. O general de 3 estrelas Eduardo Pazuello, dito especialista em logística, conseguiu a proeza de acumular um remédio inútil contra a Covid 19 para 18 anos. Ao mesmo tempo estocou – e pode perder – quase 7 milhões de diagnósticos da doença em um dos países que menos testa no mundo. Mestre do desperdício, Pazuello orgulha-se da sua ignorância histórica. Não sabe o que é AI-5 e não sabia o que era SUS. Deve se vangloriar também de ter sido humilhado na compra da vacina chinesa. Ao invés da demissão para resguardar a dignidade, saiu-se com um pálido “um manda e o outro obedece”. A primeira vacina a ser aplicada no mundo, da Pfeizer foi desdenhada. A Saúde ignorou a proposta do laboratório, além de praticamente descartar a compra, alegando dificuldades armazenagem, logo desmentidas pelo fabricante.

A crise nas ruas – Foto Orlando Brito

A terceirização da incompetência é regra. No vazamento de óleo nas praias do nordeste foi a Venezuela. Se há desmatamento no pantanal e na Amazônia as ONGs e até Leonardo Dicaprio são culpados. O desemprego é da responsabilidade de governadores, da OMS, do STF. Se o Brasil está emporcalhado no mundo é culpa da imprensa mundial, de esquerda. O apagão no Amapá, que pode se alastrar, não é culpa do governo. Os assaltos a bancos não têm relação com o Planalto, mesmo depois da liberação de armas, que abasteceu o arsenal da nova milícia. Tudo submetido ao método de desconexão da verdade, da montagem de teorias da conspiração reforçadas pela máquina da propaganda oficial visando facilitar a adesão da sociedade a realidades fictícias e insustentáveis.

Carlos, filho de Jair Bolsonaro – Foto Orlando Brito

Em vários disparos antidemocráticos o governo tem perdido no Judiciário, a exemplo da autonomia aos estados na pandemia, da posse na PF e dos dossiês ilegais do Ministério da Justiça e da ABIN. Reabriram a catacumba nazista para arapongar jornalistas. Na sociedade as taxas de aprovação, desvirtuadas temporariamente pelo auxílio emergencial, mostram declínio, notadamente nas capitais. No 1 teste eleitoral, o capitão tomou uma coça. Nenhum dos candidatos para os quais ele pediu votos venceu. Apenas um vereador foi eleito com a logomarca Bolsonaro, o filho. A maioria do marketing da onda Bolsonaro (delegado, cabo, juiz, capitão etc) fracassou. O eleitor, saturado com a pilhagem da democracia e com a estultice, reabriu a oportunidade aos partidos de centro que invocam conceitos de moderação, diálogo e consensos.

O horizonte do capitão é turvo. Não há sinais de melhoria nos indicadores sócio econômicos. A base que elegeu Bolsonaro mingou na eleição municipal. As forças vencedoras já sustentaram outros governos no passado, mas pularam do barco quando a água bateu no nariz. O recado da urna é permanecer longe dos extremos. Contra o furor autoritário, a inépcia, as irregularidades, o morticínio, a desídia e contra o extermínio da Nação tramitam mais de 50 pedidos de impeachment, processos no STF e denúncias no Tribunal Penal Internacional. Se alguém acha pouco é oportuno lembrar que o delito de vadiagem ainda consta no código penal brasileiro.

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