por Paulo Solmucci*
Na última terça-feira (dia 21), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o projeto que regulamenta o rateio das gorjetas dos bares, restaurantes, hotéis e motéis. Votou-se um substitutivo vindo do Senado. Portanto, agora só basta a sanção presidencial.
Durante décadas, milhares de bares e restaurantes foram à falência, como consequência da insegurança jurídica advinda da inexistência de uma lei que regulasse o registro e a distribuição dessas gorjetas.
Os empregados demitidos iam à Justiça do Trabalho reclamando a incorporação de gorjetas aos salários. Declaravam um valor qualquer, que servia de base para o cálculo de encargos supostamente devidos. Batia-se o martelo. Aos donos de bares e restaurantes acabavam sendo apresentadas súbitas contas impagáveis.
A nova lei põe um fim à tormentosa insegurança jurídica.
Com a regulamentação, os estabelecimentos enquadrados no Simples podem reter 20% do que for arrecadado com as gorjetas para pagar os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas. As empresas que estão fora desse regime diferenciado de tributação podem reter 33%.
Removeu-se, assim, mais um considerável obstáculo criado pela cultura antiempreendedora que assola o Brasil desde o Barão de Mauá. Foram dez anos de negociações dentro do Congresso Nacional.
Há milhões que apreciam, imensamente, os impostos plantados e colhidos nas árduas e arriscadas atividades empreendedoras, praticadas de sol a sol e em meio às incertezas mercadológicas. Mas esses mesmos milhões de adoradores dos impostos têm desprezo por quem empreende.
Os adoradores de impostos habitam o topo da pirâmide de uma máquina pública que custa 40% do PIB e devolve aos cidadãos serviços de quinta categoria. Eles e seus tentáculos sindicalistas formam uma casta que pratica, dentro da constelação do próprio sistema público, uma profunda e larga desigualdade salarial. É a turma de cima vampirizando os que verdadeiramente põem a mão na massa: professores, enfermeiros ou policiais.
O resultado é uma máquina gigantesca que não funciona. Como escreveu o economista André Lara Resende, o Estado consome na sua própria operação parte substantiva da renda que extrai da sociedade. Gasta muito e entrega pouco.
Será que trocaríamos os serviços de segurança privada, a começar pelos zeladores dos prédios, confiando a guarda de nossas casas ao policiamento estatal? Será que abriríamos mão do plano de saúde, optando pelo SUS? Será que tiraríamos nossos filhos das escolas privadas (do pré-primário ao ginásio) para matriculá-los em um grupo escolar ou colégio público?
Agora, o Brasil começa a se defender de um Estado autoritário, que existe para si mesmo, passando a exigir um Estado democrático. Isto é: um Estado que sirva à sociedade.
As forças conservadoras do velho Estado burocrático-patrimonialista-clientelista acionam os seus tentáculos corporativistas, em várias frentes controlando as amarras legais que mantêm as vítimas aprisionadas aos seus interesses.
É uma vasta teia de alianças cartoriais, tendo no seu núcleo uma gigantesca legislação trabalhista que, a pretexto de defender a massa trabalhadora das desenfreadas ambições dos empresários, criou um emaranhado de dimensões cósmicas, em que se entrelaçam advogados, juízes do trabalho e sindicatos a perder de vista.
Um bom pedaço das dezenas de bilhões de reais que o Estado suga da sociedade é canalizada para essa mega e indecifrável estrutura jurídico-sindical.
Na aparentemente magnânima defesa dos explorados estão até mesmo ministros, clérigos e doutores da lei, que explícita ou implicitamente procuram desarticular aquilo que consideram como ameaça à velha ordem do Estado burocrático-corporativista.
Por isso, a regulamentação das gorjetas demorou uma década de negociações no Congresso Nacional. Por isso, retiraram do pacote da reforma trabalhista a proposta de regulamentação do trabalho intermitente.
É esta uma forma de contrato praticada em todos os países do mundo, exceto no Brasil. Além dos contratos das jornadas de tamanho único, de 44 horas semanais, com turnos fixos, o trabalho intermitente permite que o funcionário ajuste com o empregador a distribuição das horas ao longo da semana, de acordo com as suas necessidades pessoais.
Ao pagamento das horas trabalhadas são acrescidos os encargos trabalhistas. É uma forma de contrato muito utilizada, internacionalmente, por estudantes, mulheres, aposentados e profissionais das áreas da criação, como publicitários e designers.
Dentro do Palácio do Planalto, há uma influente pessoa que, veladamente mancomunada com o Estado corporativista, não vê no trabalho intermitente nenhum defeito, mas lava as mãos, como o governador Pilatos.
De uma coisa é certa. Não vamos esperar outros dez anos. O trabalho intermitente vem aí. Com ou sem Pilatos.
*Paulo Solmucci é o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes.