O SUDS e o SUS

Doutor Aristodemo Pinotti, então deputado por São Paulo

Está sendo lançado Saúde no Brasil — Provocações e Reflexões, livro da maior importância para o País. Embora reunindo textos escritos ao longo de vários anos, e José Aristodemo Pinotti, seu autor, tenha falecido há dez anos, a reação do Brasil à pandemia enfatiza a necessidade de que todos os responsáveis pela Saúde o leiam e reflitam sobre sua mensagem.

Um aspecto essencial é sermos um país com sistema de atendimento universal à saúde — o único com mais de cem milhões de habitantes. Sem ele nem podemos imaginar a escala — já desmesurada — que teria entre nós a catástrofe da Covid-19. Os pobres sabem que sua única esperança, nessa hora, é o SUS.

O SUS não nasceu com esse nome. Chamava-se SUDS. Fora uma sugestão cristalizada na 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986. Fui aconselhado a não comparecer, pois seria “de esquerda” — era presidida pelo Sérgio Arouca, da Fiocruz, filiado ao PCB —, mas não só compareci, acompanhado dos ministros Rafael de Almeida Magalhães e Roberto Santos, como determinei que suas conclusões fossem observadas. Daí surgiram as normas que criaram os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde, implementados por meio de convênios com o governo federal.

Sérgio Arouca – Foto Orlando Brito

Pinotti era Secretário da Saúde de São Paulo e criou Sistemas Locais de Saúde em todo o Estado. Com o conhecimento do grande médico que foi um dos heróis da saúde pública no País — além de constituinte e reitor da Unicamp — Pinotti mostra como o SUDS virou SUS na Constituição e depois de meu governo o ter implantado passou por um período de desmonte, de que nunca se recuperou. Seu livro revela alguns dos aspectos mais críticos da política brasileira de saúde pública — aliás, da ausência de uma Política de Estado de Saúde Pública.

Uma vez lembrei aqui a apropriação de minhas iniciativas, citando o conto de Erasmo Dias, O roubo dos personagens. Começa pela lei de incentivos fiscais à cultura, a Lei Sarney, que acabaram para recriar como Lei Rouanet. Fui eu quem, no manifesto da Bossa Nova da UDN, falou pela primeira vez em “desenvolvimento com justiça social”. Fui também pioneiro em propor cotas raciais, o programa do leite, o vale-transporte e por aí iríamos longe. Rafael de Almeida Magalhães, algum tempo antes de falecer, me escreveu uma carta lembrando o caso do SUS, a equiparação dos direitos previdenciários do trabalhador rural ao urbano, o benefício de prestação continuada — renda mensal vitalícia a idosos, incapacitados e deficientes, que é dada 4,8 milhões de pessoas e no valor de 29 bilhões. E lembro ainda a lei de distribuição gratuita do coquetel contra a AIDS, levada pela ONU a vários países por todo o mundo.

O Dr. Dráuzio Varella diz que o SUS é “a maior revolução da história da medicina brasileira” e que “sem o SUS é a barbárie”. É com a autoridade de seu criador que fico chocado com a notícia de que a taxa de cura da Covid é 50% maior na rede privada. É um indicador da desigualdade social incompatível com o espírito que criou o SUS e com os próprios princípios básicos do Estado brasileiro.

Salvemos o SUS! O Dr. Pinotti dá o caminho.

— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras. (Artigo publicado também em O Estrado do Maranhão)

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