A crise política na Venezuela caminha para um desfecho dramático nas próximas semanas. Há possibilidade, inclusive, de uma guerra civil com o envolvimento de potências externas, mesmo que indiretamente, armando e financiando ambos os lados do conflito. Os Estados Unidos lideram um grupo de países – Brasil, entre eles – que reconheceram o líder opositor Juan Guaidó e decretaram um embargo internacional contra o país. Na última segunda-feira (4) treze países europeus, entre os quais Reino Unido, França, Alemanha, Espanha e Portugal, reconheceram Juan Guaidó como presidente interino. A oposição tenta ainda ajuda humanitária, mas Nicolás Maduro deslocou tropas para as fronteiras para barrar a iniciativa.
O ditador rejeita a pressão para que se retire do poder e percorre os quartéis quase que diariamente. Guaidó tenta romper o anel militar em torno do ditador, mas até o momento apenas um general da força aérea, Estéban Yánez Rodríguez, rompeu com Maduro, mas não levou a tropa junto. A disseminação de generais nas forças armadas – cerca de mil – ajuda a manter o ditador, que nos últimos anos vem perdendo o apoio da população. Hoje os generais também dominam e comandam a economia, ocupando todos os postos chaves, inclusive na estatal do petróleo, a PDVSA.
Maduro tem o apoio de Rússia, China, Turquia, Síria, Irã e outros países em que a democracia não é o forte. Todos com interesses geopolítico e no petróleo venezuelano, a maior reserva mundial da commodity no mundo. A China é a maior credora da Venezuela. Juan Guaidó já sinalizou que cumprirá todos os acordos com esses países.
O atual cenário na Venezuela tem potencial para inflamar os ânimos. Em 28 de janeiro, o assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos – o notório falcão John Bolton – foi fotografado em Washington com um bloco de anotações em que se lia “5 mil tropas para a Colômbia”. Seria um plano de intervenção? Muitos analistas internacionais não acreditam que os EUA se envolveriam diretamente no conflito. Mas na semana passada, Donald Trump designou Elliot Abrams como emissário especial da Casa Branca para a Venezuela. Entre as credenciais controversas de Abrams está o seu envolvimento com os “contra” na guerra civil da Nicarágua nos anos de 1980.
O governo colombiano se apressou em negar algum tipo de envolvimento nessa trama, mas é notório o apoio do governo Duque à oposição venezuelana e não está descartado o fato de que desertores do exército e da guarda nacional bolivarianos estejam se refugiando no país vizinho. A Colômbia dá abrigo a mais de um milhão de venezuelanos, a maioria fugindo das péssimas condições de vida em seu país onde falta tudo. O FMI, em seu último relatório, estima que a inflação da Venezuela tenha chegado a 1.350.000% em 2018 e projeta para este ano estratosféricos 10.000.000%.
Da Rússia vem a informação de dois jornalistas russos de que um contingente de 400 mercenários de uma empresa “privada” – a maioria de lendários cossacos – estaria se deslocando para proteger Maduro e a elite governante da Venezuela de um eventual golpe de Estado, ou de uma suposta intervenção dos americanos e de países sul-americanos no país.
No dia 30 de janeiro pousou no aeroporto de Caracas um misterioso Boeing de uma empresa aérea russa. O deputado opositor da Assembleia Nacional venezuelana José Guerra postou no Twitter, sem apresentar provas, que a aeronave chegou para levar 20 toneladas de ouro do Banco Central da Venezuela (BC) para Moscou. Guerra é ex-economista do BC do país e revelou na mesma postagem que militares venezuelanos controlam a produção de ouro no país.
Segundo José Guerra, soldados retiram a carga de veículos blindados que seguem depois para o BC ou para o exterior, provavelmente Rússia. A Venezuela deve bilhões de dólares à China e à Rússia. Os dois países também são detentores de títulos públicos do Estado venezuelano na casa de mais de uma centena de bilhões de dólares.
Desde Hugo Chávez a Rússia vendeu bilhões de dólares em equipamentos militares para o país, desde os modernos aviões de combate Sukoi 30 e helicópteros MI 35, a tanques e outros veículos blindados, além dos versáteis rifles Kalashinikov.
O objetivo de Vladimir Putin é projetar seu poder no Hemisfério Ocidental para provocar os americanos e os europeus. Os russos se sentem ameaçados pela forte presença da Otan nos países bálticos e no Leste Europeu, seu entorno geopolítico imediato. Situação agravada após sanções por causa da tomada da península da Criméia, pelos russos, e a participação de mercenários de Moscou e separatista étnicos russos no Leste da Ucrânia em uma guerra civil.
Nessa equação não pode faltar Cuba. Desde a subida de Hugo Chávez ao poder na Venezuela, os cubanos mantêm grande influência no país, com médicos – um programa muito semelhante ao Mais Médicos, implantado no Brasil pelo governo Dilma Rousseff. Há relatos que os cubanos controlam militares e órgãos de inteligência do regime. Cuba depende do petróleo subsidiado venezuelano para manter sua frágil economia em pé.
Com todo esse quadro é possível prever que o tempo corre contra uma solução pacífica para o nosso vizinho. Se houver uma guerra civil, uma crise humanitária de grandes proporções afetará toda a América do Sul. O ditador Nicolás Maduro já disse que não deixará o poder e no máximo aceitaria uma nova eleição para a Assembleia Nacional, mas sem observadores internacionais ou mudanças na justiça eleitoral do país, dominada pelo chavismo. Juan Guaidó tenta atrair militares e consolidar seu “governo paralelo” no país, mas por enquanto só tem apoio externo.
* Luís Eduardo Akerman é jornalista e analista de política exterior. Ex-editor de Internacional do Jornal de Brasília.