A primeira página da edição de 22 de julho de 1975 do Jornal do Brasil destacava o terrível e poderoso argentino Jose Lopez Rega, conhecido como El Brujo, em mangas de camisa passeando no calçadão da Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro. A seu lado, um homem bem mais alto fumava um cachimbo: era o pelotense Claudio Ferreira, presidente à época da Casa do Comércio Brasil e Argentina e que representava em nosso país a Telam, empresa nacional de telecomunicações dos nossos vizinhos.
Claudio Ferreira era o homem de confiança de El Brujo para vários temas, além dos oficiais. Era uma espécie de “capa preta (como eram então chamados os conselheiros) que o assessorava nas suas atividades políticas, financeiras e espirituais.
Do Rio, El Brujo iria para Madrid, deixando para trás o agonizante governo de Isabelita Perón com seu enorme rastro de centenas de vitimas produzidas pela Associação Anticomunista Argentina, mais conhecida pela sua horripilante sigla. A Triple A funcionava clandestinamente apoiada no Ministério de Ação Social, de Lopez Rega.
Sempre junto a Juan Domingo Perón, desde o primeiro governo do caudilho, nos anos 40/50, Lopez Rega era o chefe da extrema direita armada do peronismo. Mas o apelido El Brujo nasceu das suas relações com o pelotense.
Em Pelotas, Claudio Ferreira vendia produtos farmacêuticas para o Samdu (Serviço Municipal de Ambulâncias), onde trabalhavam o seu irmão Ney e o futuro deputado federal pelo MDB, Getulio Dias. Os três amigos eram unidos também pela prática da umbanda.
Ainda na década de 1950, Claudio Ferreira deixou Pelotas e foi para Uruguaiana, onde abriu o seu próprio negócio. Casualmente, Lopez Rega estava asilado naquela cidade fronteiriça depois da primeira queda de Perón. Nasceu ali uma forte amizade. E Lopez Rega foi introduzido por Cláudio nas artes e ofícios das religiões afro-brasileiros e de outras magias.
Duas décadas mais tarde, já de volta ao poder, Lopez Rega foi consagrado pai-de-santo no Templo do Sol Urubatā e Oxossi, do babarolixá Wilson Ávila, em Porto Alegre. Wilson, que trabalhou intensamente em Buenos Aires e Córdoba, recebeu um diploma de honra ao mérito da Casa de Comercio Brasil-Argentina, assinado por Claudio.
Graças aos conhecimentos adquiridos no Brasil, Lopez Rega ficou mais forte junto ao peronismo que voltava ao poder, especialmente após a assunção de Isabelita, após a morte do marido, em 1974.
A influência de Lopez Rega acabou levando para Buenos Aires outro curandeiro, o Garrincha, de Uruguaiana, que lá se associou a milicianos de El Brujo.
Quando a primeira-dama assumiu a presidência, depois da morte de Perón, Lopez Rega, por trás do trono, comandava nos porões o terrorismo de estado.
Neste acúmulo de forças, El Brujo também era o representante para America Latina da Loja Maçônica Propaganda 2, a P2, centro de um escândalo mundial que envolveu o Banco do Vaticano, a Cosa Nostra, antigos fascistas italianos, maçonaria e banqueiros, entre outros altos personagens. Esta história rocambolesca foi aproveitada no roteiro do filme O Poderoso Chefão 3, de Francis Ford Copola, que explícita até o assassinato do Papa João Paulo I, por interesses mafiosos no Banco Ambrosiano, cujo maior acionista era o Instituto para as Obras de Religião (IOR) da Igreja Católica.
Claudio Ferreira era, naturalmente, o representante da P-2 no Brasil.
Uma das operações deste esquema era a tentativa de transferir para América Latina cerca de 200 toneladas de ouro e 1 milhão de libras esterlinas pertencentes à fascistas sérvios e italianos, acumuladas na Segunda Guerra Mundial. Havia forte apoio na Argentina, no Uruguai e no Brasil.
Havia também a lavagem de dinheiro de nazistas sobreviventes, que era taxado a módicos 40%.
O italiano Lício Gelli, o principal personagem do caso P-2, viveu na Argentina, com passagem pelo Brasil, e virou amigo de Juan Perón, apresentado por Lopez Rega.
Gelli contou certa vez que pagou a conta de um hotel em Buenos Aires para Cláudio Ferreira.
Outros que estão nesta história e no filme de Copolla: Michele Sindona, Roberto Calvo e Paul Marcinkus.
O banqueiro Michele Sindona, o Tubarão – contato da Máfia da Sicília e da família Gambino, de Nova Iorque -era assessor financeiro do Vaticano. Morreu envenenado na prisão.
O chamado banqueiro de Deus, Roberto Calvo, foi encontrado morto sob a ponte Blackfriar’s (Frades Negros), no Tâmisa, com o bolso forrado de pedras e dinheiro. Típica execução da Máfia.
E o Arcebispo norte-americano Paul Marcinkus. Presidente do Banco do Vaticano, que morreu sem ser tocado pela lei.
Lício Gelli teve várias condenações mas morreu em casa há pouco tempo.
Esses quatro formam o elenco principal da tramóia que quebrou o Banco Ambrosiano.
Por baixo de tudo, uma relação que começa com o fascismo – da Itália e da Espanha -, passa pelo nazismo e termina com a caça aos comunistas na Argentina.
Peron, o garoto propaganda
Em 1965, Cláudio Ferreira, levou o seu laboratório Claufer, que tinha sede em Porto Alegre, para São Paulo.
Seu carro-chefe era um suplemento alimentar que teve como garoto-propagada o próprio Juan Domingo Perón. Era como se Getúlio Vargas tivesse protagonizado comerciais do Biotônico Fontoura na terra de Gardel.
“Os grandes líderes mundiais tomam Pertônico”, afirmavam os impressos do produto, que estampavam foto de Perón em destaque. Na televisão, os conhecidíssimos Tônico e Tinoco cantavam as maravilhas curativas da droga de Cláudio Ferreira.
Como procurador pessoal de Lopez Rega no Brasil, Cláudio comprou para ele terras em Sombrio e São Francisco do Sul, em Santa Catarina.
Foram 30 anos de amizade.
O irmão de Cláudio, Ney, morando em Florianópolis, atuou em várias áreas. Teve uma agência, a Public Propaganda, e, em 1976, fez lançamentos imobiliários nas praias da Ilha.
Em Pelotas, além do Samdu, Ney estagiou no escritório de contabilidade Lanzetta e D’Avila. Os dois sócios do escritório morreram sem saber os bastidores da carreira empresarial do aprendiz.
Cláudio Ferreira morreu em dezembro de 1985, aos 52 anos, em Cruz Alta, por problemas nos rins e no coração.
El Brujo morreu na prisão, onde foi parar por lavagem de dinheiro, tortura, sequestros, assassinatos e terrorismo de estado. Enquanto ele esteve no poder, na Argentina, durante três anos, houve 30 mil assassinatos políticos. Dois mil são atribuídos aos 154 facínoras da Triple A.
(Com informações do TCC da então estudante Ivandra Prévidi, do Curso de Jornalismo da UFSC – 1986 – e de Odilon Gonçalves, do Laranjal.)