Em 1321 nasceu na Itália aquele que viria a ser um desses escritores que atravessam o tempo. Melhor dizendo, um escritor que antes das infovias (leia-se ‘redes sociais’), atravessava o tempo e era lido até por estudantes da rede pública de ensino secundário (expressão antiga, usada no Brasil e que, entre os que podiam estudar, nomeava jovens entre 15, 16 até 18 anos, os mais retardatários). O nome dele era Dante Allighieri.
Dante escreveu uma obra-prima chamada “A Divina Comédia”, e esta continha a descrição do INFERNO. O inferno da época era outro, continha pecados capitais segundo certa moral vigente em tempos dominados pela Igreja Católica Apostólica Romana… Nada a ver com os modernos pecadores do moderno tempo da covid-19 ou com maior precisão, o SARS-CoV-2. Os tempos são outros.
IRRESPONSÁVEIS. Significa agora quem tem a delegação dos que podem votar, num país como o nosso, e são Presidente, Governadores, Prefeitos e os legisladores municipais, estaduais e federais. A eles entregamos, periodicamente, a responsabilidade de tomar todas as providências – cada um na sua seara de competência – para dizer ou nos obrigar a fazer o que deveria ser o melhor para todos os que moram num mesmo território. Acima deles, para gerenciar as coisas humanas, estão algumas entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). (Embora haja quem creia que “Deus está no comando”, os demais que assim não pensam têm de cobrar dos que foram por nós eleitos as providências para organizar nossa vida em comum).
Pois bem, diante de um vírus insidioso e que a todos ataca, a uns faz apenas cosquinha na garganta, a outros deixa de pernas bambas e aos velhos, mata, supunha-se que essa turma aí de cima cuidaria para que providências necessárias e possíveis fossem tomadas antes que a coisa danasse de vez. A coisa ia danar de vez quando a rede de saúde pifasse, o vírus ficasse descontrolado e, com tudo isso somado, fosse pro beleléu a economia, a saúde, o sossego e o bem-estar de ricos, pobres e remediados por eles governados.
O PRESIDENTE. Esse já nasceu desbanderado. Deixa pra lá, mas não sem antes dar a ele o nome que lhe convém agora: Genocida. Ele e sua turma, um tal de General Pesadelo… Primeiro disse que o vírus era uma “gripezinha” e que “quem é homem tira de letra” tomando uma tal de cloroquina (mandou fabricar e comprar toneladas desse remédio) e continuando a vida normal. Nenhuma precaução deveria ser tomada porque “morrer todo mundo vai morrer um dia”, ou então, noutra parada, que ele não era “coveiro, logo não respondo pelo número de mortos”.
Quando, com muito esforço de cientistas, se conseguiu mapear o genoma do tal vírus e fabricar vacinas, o Presidente (vá lá que seja) não quis comprar nem mandar fazer e o país de 212 milhões de habitantes não tem como impedir hoje a propagação da doença e a mortandade geral. Vai ter hospital tendo de encomendar frigoríficos em lugar de furgões porque os corpos vão acabar se amontoando nas ruas.
Deveria estar na cadeia.
NEGLIGENTES. Os governadores e prefeitos – aqui cada um põe na cabeça a carapuça que acha que lhe vai bem. Alguns se cercaram de homens probos (um tanto de médicos, epidemiologistas e infectologistas, de preferência), e deixou que estes dissessem o que deveria ser feito por todo mundo, isto é, pelos que trabalham, pelos desempregados, pelos industriais, os comerciantes, os donos de botecos , agricultores, fisiculturistas… A patuleia que se amontoa nas cidades ou que vive na roça perto daí.
A tal de OMS e a OIT listaram o que deveria ou não ser feito – de maneira a que a turma que manda pudesse ter uma orientação mais segura dependendo da realidade de cada lugar. Deu uma desorientação danada porque as tais entidades se esqueceram que na vida real cada letra é interpretada por quem tem interesse em que ela seja “a”, “b” ou “c”, e que quando “a farinha é pouca, meu pirão primeiro” – é a primeira reação de quem vive segundo a lei de Gerson, ou de Murici (“cada um cuida de si”). Trabalhadores da saúde foram vacinados – claro, todos tinham contato com quem poderia estar contaminado – e o resto do povo, não, cara pálida? – e agora estão exaustos, não dão conta mais de atender os que entopem CTIs e enfermarias…
Deveriam agora chamar representantes dos setores que compõem o povo e não apenas o pessoal da saúde, e juntos traçar o plano de guerra total.
Ou vamos morrer todos.
BEATAS, MALUCOS-BELEZA, TURMA D’A VIDA É BELA, DA ‘VIDA BANDIDA’ E POR AÍ AFORA. Somos nós que, cada um, só vivemos dentro de nossas “caixinhas”. Se estou acostumada a fazer isso ou aquilo (compro Papai-Noel pra todo mundo todo ano, não deixo de ver meu pai, minha mãe, minha avó e meu vô de jeito nenhum, se não pode ser todo fim-de-semana, pelo menos no Natal, no Ano-Novo vou me esbaldar (“me entuba, me entuba”, gritavam muitos em resenhas e bailes funk, nas baladas, nas quebradas, no meio da turma defronte ao barzinho da moda) e tome as férias de janeiro (primeira quinzena na praia, pagou, voltou, segunda quinzena na praia, pagou voltou) e agora, sim, agora é o carnaval. Enquanto isso, as beatas nem a pau deixam de ver Deus: online, agendando Missa, gritando nos templos evangélicos “Misericórdia, Senhor!”…
É, você tem razão, meu amigo Nazaré, somos todos culpados. E de culpado em culpado, chegamos com certeza a Adão e Eva, só que na merda em que nos metemos nos enfiamos mesmo foi no meio do INFERNO – para onde vão, sem dúvida alguma, todas as boas intenções, inclusive as minhas.
E as suas.