A nova “guerra da vacina” inaugurada pelo presidente Bolsonaro, movida por um conjunto de equívocos, erros, preconceitos, ignorância, sedução pela morte, disputa política com o governador João Dória e uma suposta guerra “ideológica” contra a China e o governo chinês é a última diversão da República. Até a semana passada tivemos dois graves entretenimentos: o dinheiro nas nádegas do senador Chico Rodrigues – agora licenciado – e a espetacular soltura do traficante André do Rap, pela liminar do ministro Marco Aurélio, posteriormente, mas tardiamente, suspensa pelo STF.
Os absurdos que inundam o País brotam dos atos e palavras do Jair Bolsonaro e dos desmandos que emanam do Congresso e do Poder Judiciário, semana sim outra também, já integram, há muito, a paisagem politica do País. A novidade, que aos poucos toma forma e contornos, é a articulação política, ideológica, militar, religiosa e financeira que sustenta o comportamento assombroso do presidente da República e suas apreensivas conexões pretéritas. Sob a matriz luterana há um conjunto de igrejas e pastores integrados ao governo, com destaque para o crescente e atuante segmento dos pentecostais.
As policias militares e civis, em todo o País, estão mobilizadas em torno do apoio ao governo Bolsonaro. É notável o número de policiais que disputam prefeituras e mandatos de vereadores nas eleições municipais em curso. Nas Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica – o apoio também é evidente e, em alguns setores, entusiástico. A indústria, o comércio, o agronegócio e o capital financeiro, se aliam de forma diferenciada ao presidente. Mas estão com o governo, qualquer governo. Esse grupo, apesar das divergências relevantes dos seus interesses, movimenta-se politicamente quando a instabilidade se instala no País e os rumos da economia ameaçam seus negócios.
Merece observação particular nesse arco de apoio, os institutos e movimentos de caráter conservador e liberal ao lado de uma direita mais agressiva e de caráter fascista que sempre existiram no Brasil, mas que começaram a se reorganizar, de modo mais visível, depois de 2010. O Instituo Liberal, por exemplo, criado em 1983, hoje dirigido pelo jornalista Lucas Berlanza, teve um papel importante nas mobilizações de 2013 e na formação das novas lideranças de direita com destaque na vida política do País.
O Instituto Mises Brasil, criado em 2007, dirigido pelo jornalista Hélio Beltrão, é um think-tank voltado para a difusão do pensamento ultraliberal. O Instituto de Estudos Empresariais, de Porto Alegre, fundado em 1984, dentre outros títulos, foi classificado como uma das 150 organizações que mais influenciaram as transformações políticas, sociais e econômicas do mundo no ranking 2013 do Global Go to think-tank, organizado pela Universidade da Pennsylvania.
Foi através de um dos seus líderes, Winston Ling, que o atual ministro Paulo Guedes foi apresentado ao então candidato Jair Bolsonaro. O Livres surgiu sob a liderança de Sérgio Bivar, Paulo Gontijo Ramos e Fábio Ostermann, em 2016. A bandeira do movimento é defender o liberalismo econômico e social. O Movimento Brasil Livre, com proposta similar a do Livres, se apresenta em 2014 e tem como um dos seus fundadores o atual deputado federal Kim Kataguiri.
Esse universo, que hoje tem representantes no Congresso, alianças no Judiciário e funções destacadas no Poder Executivo, e atuação visível no debate público, já não apoia integralmente o governo Bolsonaro. “Como os udenistas do passado apoiaram Jânio Quadros, os integrantes da nova direita de hoje, ao aderirem a Bolsonaro, comportam-se como soldados dos liberais escondidos dentro de um cavalo de troia populista. Não deu certo em 1960 e não está dando certo agora”, adverte Lucas Berlanza na sua entrevista ao jornalista João Gabriel Lima, da Revista Piauí de outubro e que pode ser lido com mais detalhes na matéria, densa e elegante, “As direitas em choque – O efeito retardado da bomba Bolsonaro sobre as tribos liberais”.