O debate sobre política industrial costuma se apresentar como binário no Brasil: um lado acha que não deve haver política industrial e outro defende que o país deve escolher setores e até empresas estratégicas, os campeões nacionais, no que se chama de nacional-desenvolvimentismo. E ambos os lados têm argumentos baseados em casos de sucesso ou fracasso no país e no exterior. E existem exemplos para qualquer posição. A dificuldade é que os exemplos são citados superficialmente sem que se aprofunde nas características de implementação de cada caso, que dependeram muitas vezes de situações e oportunidades específicas.
Exemplo de iniciativas de sucesso como Embraer e Embrapa são tratados como modelo ideal de um lado e como exceção do outro. O caso da política de informática é visto como desastroso por um lado e mal implementado por outro. O sucesso da China em desenvolver uma indústria com marcas e tecnologia própria e a Coreia com o apoio do governo aos grandes conglomerados industriais mobiliza os partidários da política industrial.
A quantidade de incentivos e subsídios intermináveis no tempo para a indústria automobilística, o incentivo mais recente a um número delirante de estaleiros e refinarias, a proteção de importação para vários setores e a malfadada política de informática orientam o lado que considera política industrial quase um palavrão. Esse lado pede apenas uma política horizontal com abertura de fronteiras e melhoria do ambiente de negócios: menos burocracia, controle da inflação, baixo custo de capital, segurança jurídica e educação. E que quem for competente se estabeleça e vá disputar o mercado mundial e quem não for, quebre. Que a destruição criativa impere. O outro lado considera isso sonhador e irreal e cobra uma estratégia industrial do país organizada pelo governo, a exemplo de alguns outros países.
Uma política razoável, em algum ponto entre os extremos, exige foco, avaliação e limitação no tempo. Isso não ocorreu em políticas anteriores, porque não se avalia políticas públicas e porque os lobbies não permitem mais a retirada de vantagens conseguidas. O único aparente consenso atual é sobre a importância do investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Sem aprofundar o debate, interessa aqui chamar a atenção para um fenômeno recente que pode ter uma repercussão significativa nas argumentações. O crescimento exponencial do número de startups em todos os setores da economia e a velocidade com que elas se movimentam impactaram a estratégia e a gestão das grandes empresas em todo o mundo, muitas ameaçadas na sua tranquilidade de posição no mercado.
Essas empresas, acostumadas a resolver sozinhas seus desafios, com segredos industriais bem guardados, em uma velocidade que o mercado aceitava, de repente perceberam que isso não funciona mais, assediadas pelo formigueiro de pequenas empresas com tecnologia e um volume enorme de capitais de investidores.
Inúmeras grandes empresas começaram um processo de abrir suas dores ou ideias incipientes de projetos como desafios, para que empresas do mercado, startups ou não, propusessem soluções. Antes desse processo, as empresas fornecedoras tinham que adivinhar o que as grandes empresas precisavam e arriscar um lançamento. Agora podem saber exatamente o que elas querem.
Quando o desafio é lançado por uma multinacional, abre-se a possibilidade de acesso a todo o grupo no Brasil e no exterior. A proximidade e o conhecimento das especificidades de legislação e costumes justifica a contratação de fornecedores locais, que podem se transformar em grandes empresas com o tempo.
Um grande gargalo continua sendo a precária educação e a carência de pessoal técnico.
Todo o movimento provocado pelo empreendedorismo inovador das startups, pelo enorme volume de recursos para investimento de risco (depois da queda dos juros), apoiados por editais de órgãos financiadores para projetos conjuntos ou não com universidades, estão moldando, na prática, um embrião de política industrial – que não é só industrial, na verdade – capitaneada pelo setor privado e muito conectado com as novas tecnologias.
Cabe aos governos apoiar, não querer comandar e não atrapalhar.