O regime de exceção trazido pela pandemia do coronavírus, imposto a todos os brasileiros, refletiu diretamente no Poder Legislativo. Apesar do vasto arcabouço jurídico legal do nosso país, um vácuo legislativo sobre o tema exigiu que o Congresso Nacional postergasse todas as proposições legislativas em andamento para se dedicar a legislar sobre situações sem precedentes – pelo menos nos últimos 100 anos se considerarmos a gripe espanhola, começando pelo próprio decreto de calamidade pública.
Neste contexto, surgiu o sistema da Sessão Deliberativa Remota – SDR, engenhosamente pensado para dar vazão, de maneira transparente e célere, à necessidade de continuidade do processo legislativo, ainda que o novo coronavírus tenha exigido, assim como de todos os brasileiros, que os parlamentares se recolhessem.
De fato, nas reuniões presenciais, além dos 81 senadores, nelas participavam diretamente dois assessores, dentro do plenário do senado, para cada senador, além de jornalistas, servidores da TV, rádio, Prodasen, servidores da Secretaria Geral da Mesa, da Taquigrafia e da Polícia do senado.
Ainda mais complicado seria realizar a sessão do Congresso Nacional. São 513 deputados e 81 senadores, que somados a todo o corpo de assessorias e servidores citados acima, com apenas 398 assentos existentes num plenário projetado há 60 anos, faz com que haja em cada sessão um grande número de pessoas em pé, ocasionando aglomeração de mais de 1000 pessoas naquele plenário.
Interessante salientar que o Legislativo era considerado o mais atrasado entre os três poderes no uso de aplicativos para reuniões remotas, o que fez com o que o salto fosse ainda maior.
A novidade quebrou vários paradigmas. Permitiu aos senadores participarem de sessões e reuniões em qualquer parte do país. Demandas novas exigiram soluções criativas e velozes na participação e trabalho das assessorias, necessitando-se simultaneamente de acesso à internet, comunicação direta com os órgãos do senado, envio de proposições via e-mail e contato contínuo com o senador em tempo hábil para dirimir quaisquer dúvidas ou esclarecer sobre o que está sendo votado. A dinâmica dos trabalhos dos assessores mudou.
Grupos de aplicativo como WhatsApp aumentaram significativamente, reuniões online trouxeram interação e soluções que antes não eram pensadas.
Com tudo isso, o Senado conseguiu votar matérias imprescindíveis, desde a proposição legislativa que instituiu o estado de calamidade pública até um número grande de proposições essenciais ao País neste contexto de pandemia. Foi noticiada em todo o mundo a nova forma das sessões onde havia a participação plena de todos os senadores de maneira segura, sem exposição ao contágio do novo coronavírus. Vários países seguiram o mesmo caminho.
Entretanto, após quatro meses de uso, como todo e qualquer sistema dinâmico, novos desafios se apresentam. Alguns parlamentares já manifestam o desejo de que as sessões voltem a ser presenciais. Levando em conta o grande número de senadores com fatores de risco, sejam pela saúde ou pela idade acima dos 60 anos, foi também sugerido outro formato com sessão mista, presencial e remota, havendo a participação daqueles que podem estar presentes e dos demais remotamente.
Mas como em todo o país e no restante do mundo, qualquer plano ou intenção de voltar estará sujeito ao controle da pandemia. Se este controle não se mostrar eficiente para conter o contágio, qualquer ação terá de ser revista. Muita água a rolar debaixo da ponte.
O que define a forma de funcionamento do senado é o regimento interno, elaborado discutido e votado por todos.
O que definiu a forma de funcionamento das Sessões Deliberativas Remotas, em razão da necessidade de solução emergencial, foram os Atos da Presidência do Senado e as Instruções Normativas da Secretaria Geral da Mesa.
O senado tem as ferramentas e expertise suficiente, que trouxeram muitos resultados ao longo de sua história. Apresentou inúmeras soluções legislativas para questões complexas da sociedade. Votou o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Processo Civil e tantas outras legislações que mudaram o dia a dia do cidadão brasileiro, conferindo direitos e deveres, normatizando as relações de todos os segmentos da sociedade.
Poderia, por exemplo, formar comissão de senadores que se reuniram remotamente para alterar o regimento interno. Seria pensada também a antecedência na elaboração e divulgação da pauta, com a previsão e delegação aos líderes para a definirem. Poderia retornar os expedientes para discursos com inscrição de 48 horas antes da sessão; isso limitaria o uso da palavra, o que não tem acontecido na apreciação dos projetos sobre os quais os 81 senadores têm se manifestado e votado, além do seu voto, sendo cada projeto apreciado entre duas a quatro horas. Poderiam voltar a acontecer as sessões das comissões, no período da manhã, para audiências públicas que instruem os projetos, conquanto houvesse o respeito ao limite de tempo que cada projeto exige nesta fase de sessões remotas.
Nesses tempos temos aprendido que a vida é muito mais do que o que nos estava sendo apresentado. E nunca é demais lembrar o Pessoa: navegar é preciso, viver não é preciso.
— Gláucio Ribeiro de Pinho é servidor do Senado Federal desde 1985