Na contramão do establishment da análise política, escrevi o artigo O que esperar de um governo Bolsonaro, discordando da profecia segundo a qual o mandato do capitão seria breve e instável. Há outras coisas, porém, que devem ser trazidas para se projetar a nova presidência fora das categorias mentais tradicionais da politologia nacional.
1)#EleNão (impossível perder a piada) precisa aprovar nenhuma das suas pautas culturais e mesmo sobre a segurança pública ou o Direito Penal. Basta que o Congresso as discuta. Se aprovar, ponto. Senão, ponto também. Pela tentativa. E ônus vai para o sistema político. O capitão somente deve deixar claro ao seu fã-clube fiel (57,7 milhões de eleitores) que se esforça e se mantém firme nos compromissos.
2) A política externa será “Brazil First”. Esqueça Sul-Sul, Mercosul, Unasul, BRICS. Ele provará sua diplomacia não-ideológica procurando os melhores acordos bilaterais. Não deve haver pinta de submissão a qualquer país, mas a sensação de cooperação altiva a favor dos cidadãos brasileiros e refratária aos países que “mamam” em outros. A prioridade dada aos EUA e Israel fortalecem a articulação de um establishment internacional específico que quer conquistar, inclusive para aumentar os investimentos e influência aqui. Presença econômica é igual à presença política. E isso pode dar certo nas duas dimensões porque, entre a maioria da sociedade, valerá o “Brasil dar certo”. A dada ao Chile diz respeito à aliança de perfis autonomistas (reforçados pelos dois governos coincidentes) numa região integracionista.
3) Naturalmente, a Venezuela será o maior dos espantalhos geopolíticos a ser balançado, contudo não se surpreenda se for Bolsonaro o fiador de um grande acordo envolvendo o governo Maduro. Para isso, basta que cada gestão possa fazer um discurso capitalizando o fato para sua respectiva platéia e um protocolo resumidíssimo de consequências. O establishment internacional específico que quer conquistar pode ser uma solução entre interlocutores nacionalistas e militares. Antes, muita hostilidade e escalada retórica. Todavia, o crédito da paz com sabor artificial de ter vergado um inimigo irredutível é bom para todo mundo. E com a volta da “palavra de homem”.
4) O fundamental é a agenda de Paulo Guedes. Ela servirá para remodelar as relações empresariais do Brasil com o mundo em termos de associação econômica, entretanto terá que gerar empregos e bem estar. Esta fronteira, no entanto, será o limite. Bolsonaro não chegou até aqui para sair do Palácio do Planalto de helicóptero e nem protagonizar um autogolpe impopular. Fazer sua plataforma fluir na democracia liberal seria o maior dos seus êxitos, mais do que ter sido eleito pelo voto popular e contra o lulismo encarnado em Fernando Haddad do PT.
5) O governo já está a alterar expoentes da filosofia (Olavo Carvalho), da economia (Paulo Guedes), da ciência e tecnologia (Marcos Pontes), da Justiça (Sérgio Moro) da política (PSL), da mídia (Record), como renovação dos pilares do pensamento brasileiro. Estes léxicos farão mais sentido para a maioria da sociedade do que Sérgio Buarque, Raymundo Faoro, Celso Furtado, Paulo Freire, Globo e “a esquerda”. Novos especialistas que sustentarão o sentimento antiestabishment e a ideia da “verdade individual”.
6) Bolsonaro não vai entregar mulheres, negros, jovens, LGBTs etc para a oposição. Sob as nuances da segurança, igualdade de tratamento “como humanos” e “irmãos”, e do respeito politicamente incorreto à diversidade, poderá construir seu próprio identitarismo.
7) O bolsonarista misógino, racista, homofóbico e monarquista não é majoritário entre os 55% que deram a vitória ao PSL no último domingo. Tal mistificação serve ao apartheid ideológico que alimenta os mais radicais. Assim como nem todo “jiujiteiro” foi de 17, vide o racha na família Gracie.
Se a oposição não quiser tomar de lavada como no biênio Michel Temer, terá que cessar de matar amanhã o velhinho inimigo que morreu ontem e entender as novas circunstâncias que as urnas escolheram.