Ao contrário do que a sabedoria convencional possa imaginar, não há vencedores na tentativa fracassada da oposição em tomar o poder na Venezuela, na terça-feira (30). O autoproclamado presidente interino Juan Guaidó sai derrotado ao tentar atrair os militares para o seu lado nas escaramuças da última terça-feira (30). O ditador Nicolás Maduro também não pode se sentir vencedor na contenda. Pode ter “ganhado” uma batalha, mas não conseguirá uma vitória nessa guerra, ou, se a obtiver, será sobre escombros e por pouco tempo.
Na tentativa de romper o impasse, o líder oposicionista claramente se precipitou. Sua imagem do lado de fora da base aérea conclamando os militares a aderirem à rebelião já dava esse indicativo. Desde o início de todo o processo criado por ele para precipitar a ruptura do regime, em janeiro, quando se declarou presidente do país com a aprovação da Assembleia Nacional oposicionista, Guaidó sabe que o poder armado, ou sua divisão, é fundamental para conquistar o poder de fato.
A adesão de parte do Sebin (Serviço Bolivariano de Informação) à tentativa frustrada de sublevação permitiu a libertação de Leopoldo Lopez da prisão domiciliar. Esse intento contra o regime foi apagado logo após o fracasso do movimento, quando Lopez e sua família se refugiaram primeiro na embaixada do Chile e depois na representação espanhola.
Ao longo dos anos de chavismo, Lopes foi de fato o único líder da oposição a enfrentar nas ruas o regime. Carismático e popular, ele pagou com vários anos de maus-tratos na prisão sem nenhuma acusação formal, mesmo sob a “justiça” chavista, que funciona como apêndice do regime.
A participação do Sebin no episódio ainda é obscura. Imaginado por Chávez e criado com a ajuda do serviço secreto de Cuba, o serviço de inteligência é controlado pelos cubanos desde o início, pois o caudilho nunca confiou muito no seu aparelho de segurança – militares incluídos – venezuelano. Após sofrer a uma tentativa de golpe em 2002, ele passou a promover expurgos periódicos nas forças armadas, a ponto de faltar militares com experiência de alto-comando.
A esmagadora maioria dos generais de todas as patentes – fala-se em 1.200 ou mais – comandam mesmo uma mesa de escritório fora dos quarteis. Estão espalhados por toda a administração e estatais, como a destruída PDVSA, outrora gigante do petróleo, do porte da Petrobras antes da era petista. Esses “generais” controlam também a distribuição de cestas básicas para as populações miseráveis que se formaram no país na última década.
O quadro político-militar na Venezuela se complica com a ingerência externa no país. Além da presença de cubanos – alguns analistas militares e diplomatas ocidentais calculam entre 30 a 40 mil – entre médicos e assessores militares e de inteligência, há tropas russas e chinesas na Venezuela. O contingente russo, muito menor, dá instrução na operação e manutenção dos modernos aviões, helicópteros da Força Aérea, além dos mísseis terra/ar S300, já adquiridos antes da atual crise e que estavam praticamente inoperantes.
Há informações do desconforto de alguns oficiais – como capitães, majores, tenentes-coronéis, coronéis, e um ou outro general que comanda tropa – da ingerência de “assessores” militares cubanos e russos nos quarteis. Esse grupo, em tese menos ideologizado, se sente tutelado e vigiado no dia a dia dos quarteis.
O outro lado dessa ingerência é a participação dos Estados Unidos e seus aliados na América do Sul. Os americanos não querem mais saber de intervenção em outros países. Depois dos atoleiros do Afeganistão e do Iraque e na participação na guerra civil na Síria, que consumiram vidas e trilhões de dólares, eles agora só intervêm de forma indireta, com sanções ou por meio de terceiros. Nos bastidores da diplomacia, ficam pressionando a Colômbia e o Brasil a entrarem diretamente na briga da Venezuela.
Essa posição tem fortes adeptos no chamado núcleo ideológico do governo brasileiro, liderados pelo astrólogo da Virgínia, o chanceler Ernesto Araújo – que causa espécie aos seus colegas do Itamaraty – e os filhos do presidente da República, como o deputado Eduardo Bolsonaro, que se deslocou para Roraima na terça-feira, e disse que estava “na torcida” para que o levante da oposição Venezuela desse certo. Já os generais do Palácio do Planalto fazem de tudo para remover essa ideia no governo. Inclusive do próprio presidente, segundo analistas políticos em Brasília.
Para a oposição venezuelana, o quadro é sombrio, não só na clandestinidade, como está agora Juan Guiadó, ou na embaixada da Espanha, no caso de Leopoldo Lopez. Também há dúvida sobre o comportamento de Maduro, agora sob a tutela insofismável dos militares e de seus assessores estrangeiros. Promoverá uma repressão em massa contra a oposição, inclusive com a prisão de Juan Guaidó, ou vai esperar mais um pouco para não agravar sua frágil posição.
* Luís Eduardo Akerman é jornalista e analista de política exterior. Ex-editor de Internacional do Jornal de Brasília.