Em seu primeiro ato como ministro israelense da Segurança nacional, Itamar Ben Gvir confirmou todo o mal que dele se podia pensar. Dia 3 de janeiro de 2023, por volta das 7:30, foi à esplanada das Mesquitas, terceiro lugar santo do islã, no coração de Jerusalém, numa atitude provocadora e sabidamente desestabilizadora. Figura da extrema-direita, Ben Gvir, líder do Partido Sionista Religioso, próximo do movimento terrorista do rabino ultranacionalista Meir Kahane (assassinado em Manhattan, Nova Iorque, em 5 de novembro de 1990), tornou-se ministro encarregado da polícia do sexto governo de Benyamin Netanyahu, empossado no final de dezembro naquela que é a coalizão mais à direita da história de Israel.
Vinte e dois anos após a visita à esplanada, do então chefe da oposição direitista, Ariel Sharon, dando início à 2° Intifada, a presença do ministro é um novo incentivo à discórdia, considerado ainda pior que o anterior pelos palestinos. Pela voz do movimento Hamas, em Gaza, como da Autoridade Palestina, na Cisjordânia, qualificaram o episódio de inaceitável. A segunda intifada durou 5 anos, além de uma guerra de 11 dias entre o Hamas e Israel. A visita de Ben Gvir poderá, até mesmo aos olhos de Washington, provocar uma crise ainda maior e desestabilizar o status quo.
Até agora nenhum incidente violento aconteceu e há quem pense que foi “apenas” um teste do governo israelense para ver até onde pode chegar.
Israel, através do ministro da Segurança nacional, afirma que não recuará de um milímetro. Enquanto os palestinos, inclusive da Cisjordânia, não hesitam em agitar a bandeira da escalada militar.
“O Monte do Templo, onde se situa a esplanada, a mesquita Al Aqsa e o Domo, é o lugar mais importante para o povo de Israel, nós manteremos a liberdade de movimento dos muçulmanos e cristãos, mas os judeus também terão acesso livre e seremos intratáveis com aqueles que nos ameaçarem. Nosso governo não recuará.”
Em virtude do status quo, até agora os não muçulmanos podiam ir à Esplanada em certas horas do dia, mas não rezar no local. Mesmo se, nos últimos anos, um número cada vez maior de judeus hiper-nacionalistas têm quebrado a regra, num gesto considerado uma provocação criminosa pelos palestinos. O próprio Ben Gvir, quando era deputado, foi várias vezes àquela área.
Para ele, a Esplanada das Mesquitas faz parte de Israel. O ministro vai muito além da direita e dos demais partidos ortodoxos, cujo objetivo é a construção do Grande Israel. Trata-se agora de “esmagar tanto os palestinos como os árabes israelenses e os judeus de esquerda sob suas botas”, conforme afirma o filósofo Assaf Sharon.
Os extremistas, especialmente os kahanistas, consideram os árabes, todos os árabes, “inimigos” e se propõem a expulsar de Israel os cidadãos palestinos que não forem “leais” ao Estado hebreu.
Segundo o analista Nauhm Barnea, do YnetNews, a ascensão da extrema-direita religiosa significa, antes de mais nada, a liberdade de terroristas judeus operarem nos territórios ocupados.
Teocrática, a ala ultranacionalista ortodoxa do novo governo israelense não reconhece o Estado laico e afirma a superioridade da lei religiosa, como acontece em certos países muçulmanos onde reina a charia.
Face a esta nova agressão fascista, a esquerda israelense protestou, a embaixatriz israelense na França se demitiu e a comunidade internacional reagiu. Até mesmo a administração norte-americana condenou oficiosamente a ida do ministro ao lugar santo do Islã, numa suspensão do status quo vigente há duas décadas.
Na primeira participação no Conselho de Segurança da ONU, o novo governo mudou de posicionamento em relação ao anterior, rompendo com a orientação de Jair Bolsonaro para o Oriente Médio e recuperando uma postura tradicional brasileira na região. O Itamaraty indicou grande preocupação com a incursão de Gvir na Esplanada das Mesquitas, Hiram-El-Sharif, e alertou sobre a atitude do governo israelense.
O Conselho de Segurança, do qual o Brasil faz parte como membro rotatório, foi convocado dia 5 para discutir a crise após a incursão de Itamar Gvir na Esplanada das Mesquitas.
Ao tomar posse no dia 2 de janeiro, o chanceler Mauro Vieira já havia indicado que o Brasil retornaria a uma postura mais “equilibrada e tradicional” na questão envolvendo Israel e a Palestina.
“À luz do direito internacional e tendo presente o status quo histórico de Jerusalém, o governo brasileiro considera fundamental o respeito aos arranjos estabelecidos pela Custodia Hachemita da Terra Santa, responsável pela administração dos lugares sagrados muçulmanos em Jerusalém, tal como previsto nos acordos de paz entre Israel e a Jordânia, em 1994. Ações que, por sua própria natureza, incitam à alteração do status de lugares sagrados em Jerusalém constituem violação do dever de zelar pelo entendimento mútuo, pela tolerância e pela paz”. O Brasil reitera o seu compromisso com a solução de dois Estados, com Palestina e Israel convivendo em paz, em segurança e dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas. Com esse propósito, o governo brasileiro exorta ambas as partes a se absterem de ações que afetem a confiança mútua necessária à retomada urgente do diálogo com vistas a uma solução negociada do conflito”.
Na ONU, o Brasil deixou claro que “não hesitará em denunciar as ações de Israel que violem os tratados internacionais.”
Lula tem uma posição inequívoca a respeito, a favor da solução de dois Estados: Israel e Palestina, convivendo em paz e segurança.
Se depender de Lula, o Brasil terá uma política ativa na região. Ele, com a participação de seu assessor Celso Amorim, foi o único presidente brasileiro a ter se engajado, pessoalmente, numa tentativa de intermediação em busca da paz entre Israel e a Palestina.
– Milton Blay em nome do Coletivo Judias e Judeus Sionistas de Esquerda