Alguns mortos nos pertencem. Não os dividimos com ninguém. O Brito é, para mim, um desses. Li, ouvi com atenção e, confesso, orgulho, tudo o que se escreveu e foi dito sobre esse cara imenso.O amigo de 1977, que alertou o chefe do jornal: contrata aquele menino magro do fundo da redação, ele é bom. E foi ouvido. O pai desesperado que me convocou: tenho medo de hospital, fica comigo na operação da Carola. O profissional experiente, de tantas viagens, que com uma simples mirada indicava o melhor caminho para a reportagem. Sensível, arguto, falava manso e baixo. Incapaz de uma grosseria. Companheiro fiel de longas conversas no meu exílio dourado da California. “Britinho, 3 da manhã, vai dormir”, eu dizia. Notívago, estava de pé ao nascer do sol. Não aguentava mais do que 4 horas de sono. Se não houvesse um fato político, fotografava sua grande paixão, Brasília. Lá chegou, de calças curtas, aos 6 aninhos de idade, no ano de 1956 (o mesmo em que nasci). Filho de pais baianos, mineiro de Janaúba, no norte de Minas Gerais, traduziu Brasília para o Brasil e o mundo. Era cúmplice da cidade, que muitos acham estranha. Era arauto do seu povo. Dos poderosos até ao mais simples cidadão.
Tive dificuldade de chorar quando a luzinha do meu celular se acendeu, às 2h40 da California. Do outro lado do mundo estava a Vandinha, Vanda Célia, amiga do peito de nós dois. Me despedi ali, em silêncio, no escuro. A ausência de lágrimas era a negação da dura verdade. E comecei a “maratonar” o Brito nas redes sociais. Canais de Tv aberta e paga, tweets, Instagram, Facebook. Ele esteve em todos os ambientes. Incrível o impacto que o caminhante, que trilhou sua jornada durante 45 anos da minha vida, causou nas pessoas. Gentileza, orientação, brilho, sensibilidade. Esse era o meu Brito. Diante de um absurdo, e assistimos a muitos nestes últimos anos, ele dizia: “é o tal do negócio”. Discreto, não dividia suas agruras. Acho que todo artista sofre em silêncio. E que sofrer era esse se tinha a Carola, os caboquinhos Theo e Thomas e o suave genro Gabriel? Se a conversa enveredasse para dificuldades terrenas, tergiversava ao contar alguma traquinagem dos menininhos. As lágrimas brotam, choro com gosto e prazer, ao sabor de uma amizade que varou quatro décadas. Diante do desconhecido, do inevitável, da impotência só nos resta o respeito. São os famosos desígnios do Senhor, para quem acredita Nele. É o andar da carruagem, numa visão mais simples.
Depois dos 60, aprendemos a conviver com perdas. Se não aprendemos, o baque é maior. Afinal, é a fase da fadiga de material. Uma vida de emoção, suspense, tensão com deadlines, em tudo. Essa é a essência do ofício que Orlando Péricles escolheu. Mas o meu Orlando será eterno enquanto eu viver. Nas conversas com Ricardo, Bartô, Adriano, Andrei, Cida, Artur, Memélia, Letícia, Vandinha e todos que conviveram com esse monstro da imagem, sua luz e carinho pelos amigos, estarão presentes. Tenho um sonho. Há uma foto que o vovô fez do Theo, aos 6 anos. No pescoço do garoto, uma máquina fotográfica. Quem sabe a genética não nos brinda com outro gênio? Seria eternizado na casa da Carola. Câmera e Orlando, indissociáveis. Homem e amigo, impecáveis. Ave Brito!