O leitor deve estar se perguntando qual seria a ligação entre os personagens reais e fictícios acima listados.
Ela existe, acredite.
Ainda que Machado de Assis, Woody Allen e o famoso dramaturgo alemão não mereçam ser unidos ao diminuto personagem da vida real que acompanha a dupla da ficção que mencionei no título, a ideia de ligá-los perpassa a minha cabeça há muito tempo.
O famoso personagem do sensacional conto O ALIENISTA, de Machado de Assis, povoa diariamente os meus pensamentos desde que o nosso personagem de Curitiba iniciou sua sanha persecutória na denominada Operação Lava Jato.
Acreditando sinceramente estar salvando a humanidade, o médico Simão Bacamarte prometeu fazer uma limpeza sanitária em sua cidade. Com base em concepções e convicções muito particulares do que seriam os sintomas e indícios de doenças mentais, Simão começa a trancafiar os seus supostos doentes dentro do sanatório que ele próprio havia construído.
Inicialmente incentivado e aplaudido pela população de sua cidade, seja por esta acreditar nas boas intenções do respeitável “Doutor”, seja pela bajulação habitual, o médico sentiu-se encorajado a continuar o seu périplo sanitarista. Filtrava cada vez mais suas pesquisas e encarcerava progressivamente os habitantes da cidade dentro de seu sanatório, atingindo, inclusive, figuras ilustres, que não aparentavam apresentar desvios comprovados de personalidade, salvo no cérebro obsessivo da autoridade médica daquela cidade provinciana.
O tempo foi passando e a sanha persecutória do médico findou por atingir quase toda a população local, o que levou o personagem a conferir uma reviravolta em seu destino. O sistema que criara havia tomado rumos incontroláveis. A criatura havia aprisionado o seu criador.
Alguma semelhança com nosso personagem de Curitiba?
Zelig, o curioso personagem do genial Woody Allen, era o homem-camaleão. Portador de uma estranha doença, dono de uma insegurança descomunal que o fazia assumir imediatamente a forma do interlocutor da ocasião, Zelig transformou-se numa autêntica “metamorfose” – física e psicológica – “ambulante”.
Em função de suas estranhas alterações psicofísicas, Zelig desceu do céu ao inferno. Transformou-se de herói do momento, celebridade, verdadeiro “pop star”, a alvo delirante de repúdio e de impopularidade, passando a ser odiado pelo mesmo povo que, no passado, o havia idolatrado. Não sabia, coitado, que a opinião pública era volátil, incrivelmente volátil.
Brecht, como todos sabem, foi o autor da incrível peça A Vida de Galileu, onde reconta, de forma original, a vida do famoso físico e astrônomo florentino. Durante a Inquisição, Galileu optou por refutar as suas próprias ideias científicas, ainda que as soubesse corretas, para salvar a sua própria vida e para satisfazer a Igreja dos longínquos tempos medievais, que não conseguia compreender os desígnios da ciência e da razão.
Acusado de não ter heroicamente resistido às pressões da Inquisição e mantido o teor de suas descobertas científicas em favor da humanidade, assim como o fizera Sócrates na Grécia antiga, Galileu teria respondido:
“Infeliz o povo que precisa de heróis“.
* Eliane de C. Costa Ribeiro, juíza do Trabalho aposentada, vinculada ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região