A política é a arte do impossível. Adversários que pareciam irreconciliáveis podem se unir num piscar de olhos, na frente dos seus mais ardorosos fãs, sem nem corar, desde que os interesses sejam convergentes. O exemplo mais recente é o da provável chapa Lula-Alckmin. Durante mais de 30 anos os dois disputaram o poder em São Paulo e no Brasil com ataques mútuos e agora rasgam seda publicamente como se o passado jamais tivesse existido.
Quem não conhece política acaba se perdendo na vida pública, justamente por causa dessas reviravoltas. São muitos os casos de pessoas que, por terem se destacado em algum momento da vida, foram seduzidos pelo canto da sereia e acabaram jogados ao mar. Mas nunca, pelo menos nos últimos anos, nenhum personagem foi tão trapalhão quanto o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.
Durante o período em que esteve à frente da Lava Jato – de 2014 a 2018 – conquistou um enorme capital político pela coragem de fazer o que nenhum outro juiz jamais sonhou: colocar políticos poderosos e grandes empresários atrás das grades.
Fez escola. Os juízes Marcelo Bretas, no Rio de Janeiro, e Vallisney de Souza, no Distrito Federal, seguiram seus passos e mandaram outros poderosos para o xadrez, num movimento contra a corrupção e o desvio de recursos públicos jamais visto antes na história do Brasil.
Ao mesmo tempo que virou herói de parte dos brasileiros, cansados da roubalheira de políticos e da impunidade dos poderosos, atraiu para si inimigos de peso em todas as esferas do poder.
Ganhou o ódio eterno dos petistas e seus seguidores. Não apenas por ter exposto o maior esquema de corrupção do mundo durante os governos do partido, mas por ter tido a ousadia de condenar o ex-presidente Lula pelo sítio de Atibaia. Condenação confirmada em outras duas instâncias, diga-se de passagem.
Também virou alvo dos advogados criminalistas, acostumados a salvar seus clientes ricaços de apuros jurídicos. Por causa dessa antipatia dos colegas de profissão, Moro quase não conseguiu a carteira da OAB para poder trabalhar. É, até hoje, achincalhado publicamente por nomes como o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, que já publicou vários artigos tentando desqualifica-lo.
Por fim, chamou para si a irá de boa parte da classe política e empresarial do país. Logicamente, com tanto inimigos, deveria saber que não teria vida fácil fora da magistratura. Mais complicado ainda seria ingressar na política, arte a qual demonstrou não ter qualquer conhecimento. Essa opção seria de longe a mais arriscada de todas.
Mesmo assim, incensado pela mídia, que constantemente o colocava como forte candidato à presidência da República, acabou deixando a vaidade falar mais alto e lançou sua candidatura. Antes, porém, deu claros sinais de equívocos em relação à política. Demonstrou não saber fazer avaliações corretas, não ter jogo de cintura e não entender como de fato as coisas funcionam no Brasil.
O primeiro equívoco foi ter abandonado a carreira como juiz federal em Curitiba para ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Grave erro de avaliação. Deixou-se enganar pela conversa de que o combate à corrupção seria uma prioridade no governo recém-eleito, sem olhar o passado do presidente. Também não mediu as consequências para a Lava Jato. Afinal, seu ato deu aos advogados de Lula o argumento político que precisavam para desmoralizar o julgamento, colocando a isenção do juiz sob suspeita.
Antes mesmo de assumir como ministro, Moro começou a ser boicotado pelo próprio chefe, que queria livra o filho 01, senador Flávio Bolsonaro, das acusações de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. De cara descumpriu o acordo e e devolveu o Coaf para Paulo Guedes. Daí em diante foi só desprestígio.
Depois de perceber que tinha entrado numa furada, saiu atirando e ganhou mais inimigos. Desta vez os bolsonaristas. Graças a atuação da turma de Carluxo junto as redes sociais, acabou ganhando fama de traidor.
Deixou o Brasil para atuar em uma consultoria nos Estados Unidos que tem entre os clientes empresas envolvidas na Lava Jato, abrindo, mais uma vez, espaço para questionamentos quanto a sua honestidade e isenção. Começou a perceber, na prática, como a vida pública pode ser difícil para quem não é do meio ou não faz parte da patota.
A saída do Podemos, há poucas semanas, carimbou de vez em sua testa a pecha de traidor. Fez tudo errado. Trocou o partido do seu principal aliado, senador Alvaro Dias, sem sequer comunica-lo, pela União Brasil, um partido que nasceu a fusão entre o PSL e o DEM. Claro que se deu mal. Lá encontrou bolsonaristas e políticos enrolados, como o ex-governador Antony Garotinho ou Danielle Cunha, filha do ex-deputado Eduardo Cunha, preso pela Lava Jato.
Nos poucos meses em que esteve como pré-candidato deu um show de inabilidade política. Foi uma trapalhada atrás da outra. Ao ingressar no União Brasil, enfrentou a oposição do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, bolsonarista de carteirinha, e do prefeito de Salvador, ACM Neto, que espera contar pelo menos com a simpatia de Lula pra não perder votos. Logo em seguida foi rifado pelo presidente do partido, Luciano Bivar, que se lançou candidato à presidência da República, deixando o ex-juiz a ver navios.
Em entrevista à CNN nesta quarta-feira, Moro admitiu que pode não concorrer a nenhum cargo público nas eleições deste ano. Terminou o dia batendo boca pelas redes sociais com o apresentador José Luiz Datena. Por falta de habilidade, jogou fora boa parte do seu capital político e do respeito que conquistou com sua atuação como juiz.
Um final melancólico pra quem sonhou um dia ser presidente do Brasil…