Aconteceu num fim de semana, no início dos anos 2000. Na época, eu ocupava a Chefia de Produção Nacional de Reportagens da TV Globo em Brasília. Estava de plantão naquele dia, quando me chegou às mãos um CD contendo inúmeros grampos telefônicos, que desvendavam todo um esquema criminoso de grilagem e regularizações de terras no Distrito Federal.
A partir de 1998, quando foi escolhido mais uma vez governador, Joaquim Roriz promoveu um extenso programa de doação de terrenos do Governo do Distrito Federal (GDF) para a população de baixa renda. Muitas dessas áreas tinham sido alvos de invasões e ocupações irregulares.
Certo dia, durante uma caminhada pelo meu bairro ouvi de orelhada o seguinte diálogo, quando passava por um “orelhão”. Era a conversa de um imigrante recém-chegado conversando com familiares que tinham permanecido no sertão.
― Vem todo mundo pra cá! O Roriz tá dando terreno de graça!
De fato, foi uma estratégia eficiente de Roriz, bem matreira. Ele logrou consolidar sua base eleitoral, possibilitando a reeleição para um quarto mandato, em 2002.
Voltando ao início. Fiquei pasmo com o conteúdo daqueles áudios que me foram entregues. Revelavam toda a cadeia de funcionamento de uma quadrilha instalada no GDF para lotear terras públicas em benefício próprio. Era basicamente assim:
1) Capangas contratados invadiam e cercavam com arame farpado áreas em regiões nobilíssimas da cidade.
2) Logo em seguida, ligavam para personagens bem conhecidos em Brasília para dizer que o serviço estava pronto. Já há tempos os “irmãos Passos”vinham sendo acusados de comandar o esquema de grilagem nos arredores de Brasília.
3) Providencialmente, Pedro Passos fora eleito deputado distrital, ficando responsável por apresentar projetos de regularização das invasões no Legislativo local, com o apoio do ex-secretário e então diretor da Terracap (empresa que administra o patrimônio imobiliário do DF) Durval Barbosa, que viria depois a se tornar delator da operação Caixa de Pandora, deflagrada para a apuração do chamado Mensalão do DEM. Até mesmo o governador Joaquim Roriz aparecia nos grampos, fechando o circuito.
4) Após serem legalizadas, as áreas eram divididas e comercializadas na forma de loteamentos de alto padrão.
A reportagem acabou indo ao ar no Bom Dia Brasil e no Jornal Hoje. Porém, Roriz obteve liminar na Justiça impedindo a divulgação da matéria no Jornal Nacional. No entanto, foi lido um duríssimo editorial, criticando a censura e denunciando o esquema.
Por que me lembrei de toda essa história agora? Por conta de uma reportagem exclusiva da IstoÉ deste último fim de semana, sob o título “A corrupção por trás das invasões do MST”.
A constatação é que de lá para cá o esquema só fez crescer, sofisticou-se, tornou-se federal, com o envolvimento, além do MST, de parlamentares de vários partidos, fazendeiros, empresários, empreiteiras, um fundo de investimento imobiliário internacional etc..
Recentemente, o Planalto editou uma medida provisória (MP) que dá prioridade para a desapropriação e regularização de terras da União que sofreram invasões, muitas delas oportunamente organizadas por esses grupos de interessados. É um negócio multibilionário, que além de fazendas e terrenos públicos, traz no rol de imóveis listados como preferenciais para entrega ao setor privado até mesmo ilhas e reservas ambientais. As comissões e propinas são estratosféricas.
Simplesmente estarrecedor!
Ibsen Costa Manso