Em política a imaginação desconhece limites. O imaginário é posto no infinito. A propósito de absurdos, surge em alguns Estados movimento marcado por excesso de imaginação ou gulodice, em busca de algo rotulado como mandato coletivo.
Para o leitor menos informado, mandato coletivo significa que, ao votar em determinado vereador ou deputado, o eleitor não elege um, mas meia dúzia. Poderiam ser dez, doze ou vinte. O espaço é tido como aberto às ambições arrivistas.
Se a Justiça Eleitoral aceitar mandato coletivo para vereadores e deputados estaduais, em eleições futuras será reivindicado por candidatos a deputado federal e ao senado. Já não bastam os suplentes. Querem mais. Legendas raquíticas desejam transformar o mandato individual numa espécie de condomínio, contra a letra da lei e da Constituição.
A edição de 16/4 do jornal O Estado de S. Paulo (pág. A12) trouxe interessante matéria sobre o assunto, ilustrada com fotografia de seis “co-vereadores” paulistanos, integrantes do movimento Quilombo Periférico. Informa a reportagem que no dia 23 de março foi lançado manifesto da Frente Nacional de Mandatas (sic) e Mandatos Coletivos, na “busca de segurança jurídica e articulação para compartilhar experiências de dividir uma cadeira legislativa em três ou mais pessoas”.
O movimento de inspiração anárquica receberia o apoio do PSOL, PT, PCdoB, PV, PSB, Rede, PDT, Cidadania e Avante. Já se espraiou por 24 cidades de 10 Estados e 7 capitais. Mais de 70% se distribuem entre PSOL, PT e PCdoB. Contaria com a adesão da deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP) e do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Após a Constituição de 1988 a política brasileira descambou para o terreno da vulgaridade. Proliferam legendas e faltam partidos. A facilidade do registro permitiu a fundação de nanicos dirigidos por medíocres, com péssimos resultados. Pais e mães da ideia do mandato coletivo acreditam que é simples iludir o eleitor, fragmentando um único mandado entre meia dúzia de candidatos.
Veja-se o que diz o artigo 29 da Lei Fundamental sobre a composição da Câmara de Vereadores. Municípios com até 15 mil habitantes têm a Câmara Municipal composta por 9 vereadores. O Quilombo Periférico paulistano pretende que sejam 54. Se o número mínimo for de 55, como acontece em São Paulo, poderá alcançar a 330, ou mais, segundo o tamanho de cada coletividade.
O Senador Randolfe Rodrigues levou consigo dois suplentes, quando se elegeu. A deputada federal Renata Abreu trouxe a tiracolo os suplentes do Podemos. Afinal, quais os aspectos positivos do mandato coletivo? Alex Barcelos, suposto “co-vereador” da Câmara Municipal de São Paulo, declarou ao jornalista que “o não entendimento do processo do mandato coletivo muitas vezes vem de pessoas que vem de outro lugar, de muito mais privilégio”. Disse, também, “Viemos de movimentos sociais que trouxeram esse acúmulo para trabalhar colaborativamente com práticas já bem estabelecidas”.
São frases vazias que não dizem coisa com coisa. O errático argumento do privilégio é utilizado para valorizar o periférico cultural, social e político. A pessoa que graças a esforço persistente alcançou algum sucesso, não pode ser tida como privilegiada. A quem o acusa pouco importa quanto sacrifício fez. Alguém que por indolência ou algum outro motivo obscuro não foi bem sucedido, não deve se julgar injustiçado.
É indispensável que o eleito mantenha contato com o partido e o eleitorado. Diante de determinado projeto consultará as pessoas que o escolheram para representá-las. Disto não se segue que possam existir co-vereadores, co-deputados. O Tribunal Superior Eleitoral deve adotar rápidas providências. Vivemos tempos estranhos. O certo corre perigo de ser considerado errado.
Para quem sabe ler, a Constituição Federal é clara: o mandato representativo é pessoal. Não existe em regime de condomínio. Antes que o mal cresça, é urgente impedir o reconhecimento de “mandatas e mandatos coletivos”. No atual cenário político-partidário, encontrar candidato de boa qualidade tornou-se complicado. Mais difícil será se vier a ser necessário escolher coletivo de candidatos.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de A Falsa República