“Obras públicas no Brasil são mal planejadas, mal executadas, superfaturadas e inacabadas”. Lúcio Costa.
A experiência ensina que a Fazenda Pública, assim considerada a soma de valores pagos pelos contribuintes ao Tesouro Nacional, Estadual ou Municipal, é indefesa diante do peculato, da corrupção, da advocacia administrativa, da malversação dos recursos.
Malversar significa conduta dolosa, com esbanjamento de dinheiro público. Corresponde ao peculato previsto no artigo 312 do Código Penal, punido com reclusão de 2 a 12 anos, além da multa.
Nelson Hungria, integrante da Comissão Revisora do Anteprojeto do Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 7/12/1940) e Ministro do Supremo Tribunal Federal, equipara a malversação ao peculato. Nas palavras do jurista, “Com a apropriação ou malversação do dinheiro, valor ou outro bem móvel pertencente ao Estado ou sob a guarda deste é que se realiza a violação do dever funcional. Uma e outra são como corpo e alma, como esmeralda e cor verde, como fel e amargor” (Comentários, Ed. Forense, RJ, 1958, vol. IX, pág. 349).
O Brasil é o paraíso de peculatários, lobistas e aproveitadores de dinheiro do povo. Não é necessário viajar ao Egito para conhecer obras faraônicas superfaturadas. Pululam pelo território nacional. São raros, entretanto, os corruptos condenados que cumprem pena em penitenciária ou em prisão especial, onde, quase sempre, gozam de generosas regalias.
A Operação Lava Jato trouxe à tona um dos casos mais conhecidos de malversação de dinheiro do povo. A reviravolta dada aos processos pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, ao conceder habeas corpus a cidadão solto e não ameaçado de prisão, não consegue desbaratar os fatos, dissipar as provas, relegar ao esquecimento o esquema de corrupção em que estavam mancomunados integrantes da cúpula do Governo Federal e representantes de partidos.
A impunidade que caracteriza o crime de peculato ou malversação não deve ser debitada à ausência de legislação. Além dos artigos 37, parágrafos 4º e 5º, e 85, da Constituição da República e do Código Penal, temos a Lei nº 1.079. de 10/4/1950, que “Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento”, a Lei nº 12.846, de 1º/8/2013, que “Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira, e dá outras providências”,
Se não há falta de leis, como se explica o número mínimo de agentes da Administração Pública processados e punidos por atos de improbidade administrativa? A resposta vamos encontrar no Padre Antônio Vieira que, no Sermão da Primeira Dominga da Quaresma, apontou o dedo para o pecado da omissão, quando pregou: “A omissão é o pecado que com mais facilidade se comete e com mais dificuldade se conhece; e o que mais facilmente se comete e mais dificultosamente se conhece, raramente se emenda”.
Exemplo extremo de malversação de dinheiro público encontra-se em São Paulo, à vista de todos. Refiro-me à Linha 17- Ouro do monotrilho em obras sobre a Av. Jornalista Roberto Marinho, destinado a ligar o Aeroporto de Congonhas à Estação Jabaquara e à Estação São Paulo-Morumbi.
O trajeto original de 17,7 km, com 17 estações, foi reduzido a 7,7 km, entre o Morumbi e o Jardim Aeroporto. Planejado pelo ex-governador Geraldo Alckmin, deveria ter sido inaugurado em 2014, antes da Copa do Mundo.
A construção se destaca pelas dimensões exageradas. Ignora-se quanto dinheiro foi consumido nas fundações, nas pilastras de muitos metros de altura, nas estações, no leito, onde se diz que em futuro incerto e não sabido circularão trens de alta velocidade. Em toda a extensão, debaixo de dezenas de árvores, habitam famílias sem teto e moradores de rua. Explorada por traficantes, a venda do crack prospera no local.
O art. 37 da Constituição ordena que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. No caso do Linha Ouro do Monotrilho, há fortes indícios de transgressão dos princípios de moralidade, publicidade e eficiência,
No exercício de função institucional (Constituição, art. 129, III), o Ministério Público de São Paulo deve promover Inquérito Civil para investigar se há crime de peculato, de corrupção ou de malversação e denunciar os responsáveis à Justiça.
É a exigência que se faz em defesa da probidade administrativa.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho