Encerrada a campanha mais acirrada desde a redemocratização, os brasileiros voltam suas atenções a Copa do Mundo que inicia em três semanas. Em seguida começam as festas de final de ano – Natal, Ano Novo -, posse do novo presidente e carnaval. Somente na última semana de fevereiro o país voltará à rotina. Antes, porém, precisamos rediscutir o país e buscar uma pacificação interna. Esse será o grande desafio do presidente Lula, sua primeira missão.
Lula deu uma sinalização positiva nesse sentido durante no discurso logo após a vitória nas urnas. Falou em pacificação, em governar para todos e em um único Brasil. Mas seu adversário, o presidente Bolsonaro, parece não ter reagido bem à derrota, mantendo-se calado, sem cumprimentar o vitorioso, como é de praxe em eleições.
Para pôr mais lenha na fogueira, alguns caminhoneiros prometeram fechar as estradas até que o Exército tome o poder, começando por Santa Catarina, estado onde Bolsonaro ganhou com folga. O deputado federal Nereu Crispim, do Rio Grande do Sul, representante dos caminhoneiros, emitiu uma nota, nesta segunda-feira, negando que a categoria vá paralisar o país. Não há, segundo a nota, nenhum movimento de paralisação ou bloqueio de rodovias para protestar ou questionar o resultado das urnas.
Por trás de todo esse caldo, há questões que precisam ser analisadas de forma racional, sem a paixão que a disputa eleitoral despertou. A primeira delas a ser considerada é o fato de que o bolsonarismo não morreu. A derrota nas urnas não significa o fim político de Bolsonaro e seus ideais, sobretudo pelo acirramento da disputa e pela vitória apertada do petista, com uma diferença de pouco mais de 2 milhões de votos.
Bolsonaro conta com pelo menos 30% de apoiadores convictos. As raízes do bolsonarismo foram fincadas e são maiores que o próprio presidente. Na política brasileira nada é definitivo. Em 2018 muitos analistas acreditavam que o PT estava morto e que Lula, preso, não voltaria ao poder. O resultado está aí pra todo mundo ver. Lula e o PT voltaram, graças ao próprio Bolsonaro.
Se não houver um trabalho árduo de pacificação por parte do governo e das autoridades, essa divisão poderá trazer grandes problemas ao país e abrir feridas difíceis de cicatrizar. O preconceito contra os nordestinos é um deles. Graças à região Lula conseguiu vencer. Em 2014, a vitória de Dilma Rousseff sobre Aécio Neves, também garantida pelo Nordeste, fez explodir nas redes sociais manifestações de ódio contra o seu povo. Esse mesmo sentimento voltou em 2018 e no primeiro turno deste ano. É uma questão que precisa ser rechaçada com firmeza, sob risco de secessão.
Outro aspecto a ser considerado são as circunstancias nas quais Lula foi eleito agora, bem diferentes das de 20 anos atrás. Apesar de contar com uma expressiva fatia de 30% de eleitores fieis, que o apoiarão em qualquer situação, muitos apertaram o 13 na urna eletrônica, no último domingo, apenas para tirar Bolsonaro do poder. Mas não se pode desconsiderar que o antipetismo ainda é muito forte no Brasil. De acordo com as pesquisas, a rejeição ao PT chega a 46% do eleitorado.
Ainda existe grande desconfiança em relação ao novo presidente. A pecha de corrupto colou em Lula tal qual em Paulo Maluf, durante os anos 90. Para uma parcela da população, apesar dos erros da turma de Moro & Cia, não há como negar a existência da corrupção nos governos do PT. A narrativa de que Lula provou sua inocência não cola para muita gente. Esse assunto está represado e pode explodir a qualquer momento, basta um deslize.
A militância petista também ajuda a criar um clima de divisão no país, dificultando a pacificação. Lula sabe disso, tem clareza que precisa controlar os seus “devotos”, mas vive uma dicotomia. Precisa deles para garantir um apoio mínimo em caso de problemas com o Congresso, mas reconhece que a intransigência de alguns atrapalha mais que ajuda, especialmente num momento de tanta divisão no país.
Lula tem plena consciência de que não pode errar, talvez por isso a pressão sobre ele é imensa. Equilibrar essa guerra não será tarefa fácil. A grande questão é se ele irá conseguir contornar tantas variáveis. Melhor, se ele quer de fato acabar com a polarização. Afinal, Lula e o PT cresceram em meio a essa divisão, o nós contra eles. Foi assim em todas as eleições, desde 1989.
A experiência e as alianças que firmou para conseguir vencer a máquina estatal na eleição deste ano, podem ajudar na pacificação, para que possa governar em paz e fazer o que tem que ser feito: tirar o Brasil do buraco.
Que as orações do Papa Francisco sejam ouvidas: Nossa Senhora Aparecida, tire o ódio do coração dos brasileiros. Amém!