Lisarb, o Brasil ao contrário

Se o País está dividido em opiniões opostas e irreconciliáveis, por que não separá-lo na prática? É a este exercício de imaginação que a autora da crônica se propõe. Qual o seu País?

(Testes rápidos para você descobrir que país escolher na hora da separação)

É voz corrente que vivemos em um país totalmente dividido.

Em seu memorável “Democracia em Vertigem”,  Petra Costa,  a premiada cineasta brasileira,  documentou, com imagens marcantes, nossa atual divisão ideológica. As cercas que dividiram o imenso gramado em frente ao Congresso Nacional quando da votação do impeachment de Dilma Roussef são a prova inequívoca e material dessa cisão.

A partir dali, a divisão só aumentou.

Parece que temos aqui, convivendo ou se digladiando, dois países distintos:  Brasil e Lisarb, o Brasil ao contrário.

Gosto de fazer jogos imaginários. Supondo que nossa  população fosse submetida a uma decisão, por escolha democrática e por meio do voto secreto, como essa situação seria operacionalizada?

Compareceríamos, todos,  ao departamento encarregado da subdivisão e nos submeteríamos a grandes questionários ou simplesmente faríamos a opção por um dos países?

Como sempre acontece nos imbróglios jurídicos, haveria os casos omissos e complexos, que seriam resolvidos pelas autoridades competentes e por sistemas computacionais sofisticados, devidamente alimentados com dados fornecidos pelos eleitores.

Fico imaginando o trabalho do comitê da separação oficial.

O Diretor do Comitê  Binacional de Direcionamento de Pessoas em Situação Ambígua (CDPSA)  iria  deparar-se  com casos complexos e híbridos, de difícil solução. Vejamos alguns exemplos:

– O próximo eleitor, por favor, diria o burocrata. O senhor aí, qual a dúvida?

–  Não sei se devo ir para Lisarb. Estou confuso.

E o fiscal:

–  Compreendo. Farei algumas perguntas básicas e tentarei lhe ajudar. Pretende morar num local onde existam leis trabalhistas, garantia de salário mínimo, aposentadoria?

– Sim, claro, respondeu o confuso eleitor.

– Claro por quê? – insistiu o fiscal.

– Quem não gostaria? disse o cidadão genuinamente incrédulo.

– Ah, meu senhor. Várias pessoas. Tenho aqui uma lista imensa. Mas diante de sua resposta, seu caso está fácil. O senhor ficará no Brasil mesmo. Próximo? O senhor aí, de verde e amarelo?

–  Estou aqui porque também estou em dúvida para fazer a opção.

– Não creio. Não me parece um caso de dúvida evidente. Deixe-me confirmar. O senhor pretende andar armado, para se proteger?

– Claro! A violência está um horror. Não gosto de violência.

– Como eu já imaginara. Caso fácil. Vote tranquilamente em Lisarb.

–  A senhora agora? Qual a dúvida?

–  Respeito os direitos LGBTs , mas sou contra as cotas raciais.

– Realmente um caso complexo, disse o funcionário. Precisamos aprofundar as perguntas para uma melhor análise e orientação. A senhora é contra ou a favor de universidade pública e gratuita?

–  Favorável,  como não?

– Em Lisarb a senhora não entra. Vote Brasil, por exclusão.

– Agora o senhor aí, com colar de ouro pendurado no pescoço. Hummmm, acho até que já sei o seu paradeiro….

–  Como?

– Deixa pra lá. Só duas perguntinhas para tirar a dúvida: gosta de música sertaneja? De Chico Buarque?

– Sim e não, respectivamente.

– Um passinho à frente, faz o favor. Seu caso está decidido. É Lisarb, sem sombra de dúvida.

Cada dia uma nova situação desafiaria os integrantes do Comitê. Seriam os casos de alta indagação.

Por exemplo, o caso da turma do churrasquinho na varanda/terraço gourmet com pagodinho. E os sem pagode, então, onde colocar?

Outro exemplo: o pessoal da degustação de vinhos.

Os fãs de Roberto Carlos.

Os que assistem anualmente à premiação do Oscar.

Os adeptos de Sergio Moro.

Aliás, este último caso terminaria em pancadaria na repartição. Demandaria a contratação de  “experts” para realizar a reprogramação dos computadores, pois as  respostas dos eleitores aos questionários seriam confusas, não chegariam a uma conclusão lógica para o sistema binário.

– Então o senhor é a favor do ativismo judicial? Tentava compreender o funcionário do Comitê.

– De jeito nenhum, disse o senhor muito bem vestido, de terno bem cortado e de grife famosa. Tenho horror desses juízes que fazem interpretações elastecidas, ao arrepio da lei. Por exemplo, criam direitos trabalhistas sem pensarem no funcionamento da economia. Ora, lei é lei.

– Ah, entendi, disse o funcionário. Logo, o senhor também não tolera quando fazem escutas telefônicas não autorizadas por lei?

– Não, não. Nesse caso o ativismo é bom! Temos que dar um jeitinho para melhorarmos o país, não acha?

O  funcionário do comitê não entendeu a lógica. Achou que o programa do computador não saberia interpretar o resultado. Afinal, não teria que ser uma regra única? Resolveu mudar a abordagem.

– O senhor aceita o uso de máscaras contra a covid-19?

– Claro!

– É adepto do isolamento social como prevenção na pandemia?

– Sim!

–  Então não tem admiração pelos EUA?

–  Não. Pelo contrário. Adoro os EUA. A CIA. O FBI.

– AHA!!! Definido seu caso. Lisarb. Sem medo de errar e ser feliz.

Mas o processo separatista estaria condenado ao fracasso. O sistema eletrônico fatalmente sucumbiria e o edifício da separação ruiria completamente. O comitê binacional estaria fadado à dissolução.

Motivo?

Não haveria a menor condição de  separar os amantes do futebol e do carnaval.

Eliane de C. Costa Ribeiro é juíza do Trabalho aposentada (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª. Região)

 

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