Essas eleições nos EUA têm também um efeito informativo e trazem algumas lições para quem, no Brasil, não acompanhava política e não percebe como funcionam as coisas em uma democracia.
A primeira lição mostra que, durante as primárias do Partido Democrata, os adversários debateram pesadamente, inclusive Kamala Harris contra Joe Biden, mas depois se juntaram em torno de um projeto comum. Quem não entende política considera hipocrisia o que é apenas saudável negociação política em torno de ideias e não de troca de favores ou corrupção.
A segunda lição parte da constatação que muita gente desinformada considera que o Congresso deve apoiar as propostas do Presidente eleito senão estaria rejeitando o resultado das urnas. A disputa renhida pelo controle do Senado nas eleições americanas mostra que Joe Biden terá dificuldades com uma maioria republicana. Afinal o Presidente é eleito com uma maioria de votos, mas o Congresso é eleito com 100% dos votos.
Os embates pela indicação de juízes da Suprema Corte apresenta uma terceira lição. Essa última instância jurídica tem também um forte peso no sistema democrático de pesos e contrapesos e uma interferência legítima em muitas das decisões. E o jogo político às vezes parece injusto e distorcido. Obama não conseguiu indicar um juiz para a Corte Suprema, um ano antes da eleição seguinte, bloqueado pela maioria republicana no Senado, sob a alegação da proximidade da eleição. Mas agora Trump conseguiu emplacar a sua indicação um mês antes das eleições.
Na quarta lição, o amadurecimento da democracia americana, que se mantém desde 1776, mostra aos precipitados de todos os lados que ali não houve carreatas pelo fechamento do Congresso ou da Suprema Corte (correspondente ao nosso STF), bem como processos de impeachment acontecem como ocorreram contra Trump e contra Bill Clinton também. Com possíveis imperfeições funciona bem melhor que os sistemas autocráticos ou iliberais pelo mundo, que sofrem um ótimo impacto negativo como consequência do resultado das eleições americanas.
A quinta e última lição fica com o papel da imprensa. As redes sociais não geraram as informações originais sobre apuração de resultados, veiculadas e acompanhadas por todos pelas redes de TV e pelos grandes jornais. Essa história de que órgãos de imprensa não devem ter opinião só repercute em quem não está acostumado a acompanhar política. Quem tem noção da história do Brasil sabe o papel que desempenharam Carlos Lacerda, Assis Chateaubriand, Samuel Wainer e outros, para o bem ou para o mal, bem como a grande imprensa na época da ditadura e em todas as épocas.
As teorias de perda de credibilidade da imprensa não se sustentam na realidade. Perdas de audiência acontecem pela concorrência na atenção das pessoas no ambiente da internet e não por falta de credibilidade. As mídias sociais, ao contrário, difundiam fake news, teorias da conspiração, fraudes imaginárias sem comprovação e possibilidades lunáticas de reversão das votações no colégio eleitoral, quando não apenas repercutiam as informações originais da grande imprensa ou de sites profissionais sérios. E a sociedade soube se defender, desta vez, de situações anteriores ao pressionar e conseguir bloquear notícias falsas nas redes sociais.
A decisão histórica das redes de TV de interromper, em conjunto, as declarações mentirosas do próprio Presidente Trump mostra a grande lição do papel fundamental da imprensa na democracia. Grande exemplo.
Boas lições para a jovem democracia brasileira.
— Evandro Milet é consultor e palestrante em inovação e estratégia