Ao comentar em seu blog a participação de Deltan Dallagnol em uma reunião confidencial com representantes de instituições financeiras na XP Investimentos, Reinaldo Azevedo chamou a atenção para o fato de aquele procurador da República ter solicitado autorização para que se fizesse acompanhar de um representante da Transparência Internacional (TI). Azevedo aduziu que não era a primeira vez que a entidade aparecia “numa proximidade incômoda com a Lava Jato em um evento que não honra exatamente… a transparência”.
Lembrou, em seguida, que, no vazamento de informações sigilosas concernentes a delações de diretores da Odebrecht sobre suas operações na Venezuela, as estadias no Brasil de procuradores venezuelanos interessados naqueles indícios teriam sido bancadas, a pedido de Dallagnol, pela Transparência Internacional.
Segundo Azevedo, a TI teria confirmado haver Guilherme Donega, o seu consultor para o Programa de Integridade de Mercados Emergentes, acompanhado Dallagnol naquela reunião privada com um seleto grupo de representantes do mercado financeiro. Para o blogueiro, haveria motivos de sobra para sugerir à Transparência Internacional “que se distancie desse misto de operação de Estado e empreitada privada em que se transformou a Lava Jato”.
“A TI é um órgão respeitado mundo afora. Precisa tomar cuidado para não se confundir com métodos heterodoxos empregados pela Lava Jato no Brasil”, advertiu. De fato, não é a primeira vez que a Transparência Internacional se vê envolvida em situações que fazem lembrar o velho ditado, segundo o qual “em casa de ferreiro, espeto é de pau”.
A encalacrada Siemens
A Transparência Internacional é uma ONG que foi fundada em 1993 por um antigo procurador do Banco Mundial, o advogado alemão Peter Eigen. Sua esposa, Gesine Schwan, é uma respeitada militante do Partido Socialista da Alemanha (SPD), duas vezes indicada para disputar a Presidência da República.
Cinco anos após Eigen ter fundado a TI, a multinacional Siemens era uma das maiores patrocinadoras da seção alemã. Seu foco, na época, era auxiliar internacionalmente na implementação da Convenção da OCDE contra a Corrupção.
Em 2006, veio à tona, no bojo de investigações promovidas pelo Departamento de Justiça dos EUA, com base no Foreign Corruption Practises Act (FCPA), um enorme escândalo de corrupção envolvendo cerca de trezentos funcionários dessa gigante alemã mundo afora e uma soma de propinas calculada, de acordo com o próprio Eigen, em aproximadamente 1,3 bilhão de euros.
Por esses “malfeitos”, a Siemens fechou, em 2008, um acordo de leniência, segundo o qual pagaria cerca de 450 milhões de dólares ao Departamento de Justiça e outros 350 milhões de dólares à Comissão de Títulos e Câmbio dos EUA (SEC), por violações à lei conhecida como Sarbanes-Oxley Act.
Mas a mancha sobre a honradez da Transparência Internacional não poderia ser facilmente apagada. De acordo com o jornal Frankfurter Rundschau, o próprio fundador da Transparência Internacional havia colocado “um ovo preguiçoso no ninho”.
Vigiar o vigilante
Cláudio Weber Abramo, o nome a que se vincula, de forma indelével, a Transparência Internacional no Brasil, admitiria esses expedientes? Creio que, se esses pecados tivessem ocorrido sob sua alçada, se vivo fosse, viria a público para admitir o erro e promoveria a correção de rumos. Tal como agiu Eigen, que assumiu o erro de não ter monitorado a Siemens, patrocinadora da TI.
De toda maneira, aquelas entidades da sociedade civil que se dedicam a promover a moralidade administrativa e a combater práticas anticoncorrenciais precisam estar atentas às intenções e métodos de seus contribuintes e parceiros, notadamente, na área de investigações, de compliance anticorrupção e de relacionamentos institucionais.
De modo especial, na atualidade, devem verificar se colaboradores no segmento de manutenção de privacidade de dados não estariam a operar pelas portas dos fundos com Estados que, a título de repressão à corrupção de empresas, poderiam estar, a rigor, promovendo interesses de suas empresas nacionais, que não necessariamente se submeteriam a escrutínios éticos com o mesmo rigor.
Enfim, é preciso que aqueles que vigiam também estejam vigilantes quanto ao seu entorno. E com lupa. Sempre pode haver um estranho no ninho.
* Thales Chagas Machado Coelho é mestre em Direito Constitucional UFMG, professor de Pós-Graduação em Direito Eleitoral no Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN)