Na política, em muitas ocasiões, aqui e fora daqui, a tentação de fazer declarações lacradoras, que encerram discussões, esperando aplausos, elogios da inteligência e reverências pela suposta esperteza, algumas vezes provoca efeito contrário.
Logo depois do golpe de 64, Carlos Lacerda um dos seus principais líderes civis, foi à Europa tentar explicar e defender o movimento. Jornalistas franceses lhe perguntaram se tudo fora feito com apoio dos americanos e ele, lacronicamente (existe isso?), respondeu que havia um engano, o que fora feito com apoio dos americanos tinha sido a libertação da França.
E não parou por aí. Perguntaram como era uma revolução – a expressão usada então – sem sangue. Ele, de novo, “assim como os casamentos na França”. Certamente uma ideia já fora do tempo por ali. Resultado: não foi recebido por De Gaulle.
Orador brilhante, a lacração era normal para ele. A um deputado que o aparteou com a expressão “V. Excia. é que é ladrão!”, Carlos Lacerda indagou “Ladrão de quê ?” Da “honra alheia”. “Neste caso fique tranquilo porque nada tenho a furtar de V. Excia.”.
A suposta esperteza, tentativa de lacração, tosca porém, parece voltar à moda quando Bolsonaro manda Ângela Merkel usar o dinheiro que deixava de doar ao meio ambiente brasileiro para cuidar das suas próprias florestas. Mas não chega ao cúmulo da falta de educação e noção das declarações sobre a aparência da primeira dama francesa, aliás reafirmadas pelo Ministro da Economia, a quem supostamente interessaria muito o acordo Mercosul-União Europeia. Alguém consegue imaginar uma visita diplomática do Presidente brasileiro a esses dois países?
Recentemente, Paulo Guedes perdeu a paciência ao ser questionado sobre a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro em um evento do Aspen Institute. Num impulso de lacração disparou contra os americanos dizendo que os militares brasileiros entendem “as preocupações de vocês, porque vocês desmataram suas florestas”, mas “eles não são como o general Custer, que matou os índios”. Vejamos se dirá isso diretamente ao Biden.
Agora, Bolsonaro ameaçou denunciar países europeus – e voltou atrás – que importam madeira ilegal, como se lacrasse dizendo:” Peguei vocês, idiotas, taokey?”.
A consequência foi dar argumentos para aqueles protecionistas que querem criar dificuldades para os produtos brasileiros que poderiam, em tese, ter alguma relação com a floresta. A tentativa de lacração, porém, é universal na política e pode sinalizar, ao contrário, inteligência e presença de espírito. Winston Churchill era um frasista lacrador. Lady Astor da Câmara dos Comuns: “Winston, se você fosse meu marido eu colocaria veneno no seu café”. Churchill: “Madame, se eu fosse seu marido eu o beberia”.
No Congresso Nacional já houve diálogos lacradores bem humorados como o deputado mineiro Último de Carvalho rebatendo um rompante do gaúcho Flores da Cunha que dizia que “no Rio Grande só tem macho”: – “Excelência, em Minas é metade macho, metade fêmea, e nos damos muito bem”.
Fora da política também há lacração. Groucho Marx era comediante lacrador. Ao ser perguntado por um bêbado se não se lembrava dele: “Nunca me esqueço de um rosto, meu amigo. Mas, no seu caso, vou fazer uma exceção”. E também Oscar Wilde ao receber um convite inconveniente: “Infelizmente, devo declinar do seu convite, em razão de um compromisso assumido posteriormente”.
Ficou famosa a frase do carnavalesco Joãosinho Trinta, criticado pelos desfiles luxuosos em contraste com a pobreza dos sambistas: “Pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”. Lacração definitiva, pois nunca mais esse assunto retornou aos comentários de carnaval.
Pelo menos melhor assim do que provocando inconsequentes crises diplomáticas.