Fantasmas do golpe assombram passeatas de 15 de março

Na crônica do jornalista, uma análise das manifestações programadas para o próximo dia 15 de março

Manifestação em frente ao Congresso Nacional - Foto: Orlando Brito

Quanto mais eu rezo, mais assombrações me aparecem. Velho ditado que vem à tona com essa enxurrada de vocalizações de ameaças à democracia pelo irrequieto presidente da República, Jair Bolsonaro, insuflado por sua família e um grupo de seguidores inflamados.

Neste momento, o bicho papão que está atrás da porta é o “golpe” de 15 de março, que virá nos passos de uma passeata que teria a força para emparedar ou, se repetir o passado, fechar o Congresso Nacional. É o que fala a mídia, trombejam as oposições nas redes sociais e nas rodas de conversa.

O Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional – Foto: Orlando Brito

Na verdade, o que acontece é que se iniciam as mobilizações com vistas às eleições de outubro. Os partidos que apoiam o governo estão entrando na campanha com o seu jeito próprio, que são as demonstrações de massa em apoio ao presidente da República.

As críticas ao Congresso e ao STF têm suas razões, mas são objetivos secundários, como se diz no jargão militar. Fracassada a tentativa de registrar seu partido, a Aliança pelo Brasil, a tempo das eleições, o grupo palaciano sai às ruas para manter seu eleitorado ativo, pronto a votar em quem Bolsonaro mandar. Este é o quadro real. Isto é elementar para a análise política. Então porque tanto medo de arrepiar os cabelos?

De fato, o pânico está nas cabeças. De tanto se rir das estultices do presidente, os cronistas mudam da água para o vinho, atribuindo-lhe capacidade de conspirar, maquinar, projetar, articular e compor com forças terríveis que, daqui a duas semanas, levarão seus adversários para o reino do terror.

É como se compõe a narrativa para a “juventude” que formou sua opinião nos anos recentes: Diz essa História de “nunca antes” que os militares podem tudo. Nessa versão, o Brasil foi libertado da tirania fardada pela ação corajosa dos guerrilheiros trotskistas da luta armada, que derrotaram uma ditadura obscurantista.

O Colégio Eleitoral foi uma pantomima, dizem, sem significado histórico como mobilização das massas. O MDB um factoide. Um conchavo que os militares aceitaram sem reclamar. Figueiredo saiu do Palácio do Planalto pela porta dos fundos. Isto não teria significado.

O general Augusto Heleno e o presidente Jair Bolsonaro – Foto: Orlando Brito

Agora, pela convocação de um grupo palaciano, os torturadores, os censores, os opressores do passado estariam saindo das tumbas como zumbis para garrotear, outra vez, à infeliz população brasileira. Seu modelo é o “golpe de estado”.

Essa caricatura está nas páginas e nas telas dos notebooks e iphones. Uma turba sem rosto, de Bíblia na mão, capitaneadas por um general de pijama, oriundo da Cavalaria, Augusto Heleno, vai fechar o Congresso e o Supremo. Motivo: reduzir o pagamento das emendas parlamentares impositivas.

Boa causa, capaz de produzir um levante popular incontível. O pior: muitos acreditam. Veem evidências em tudo, inclusive na viagem para o Exterior do ex-presidente Lula, que estará longe quando os brucutus (nome antigo dos blindados Urutus, hoje chamados, nas favelas, de “caveirões”). Seguro morreu de velho, dizem.

Joaquim Nabuco – Agência Senado

Para esses analistas de fundo de quintal que leem a História pelo ouvido, é assim que se produzem os golpes da “direita”: um general irritado vira a mesa e pronto. Isto, nessa narrativa, sempre se produz para botar o borzeguim no pescoço dos pobres: foi, dizem, na Independência, quando o Brasil se separou da Europa pós-napoleônica para não ser obrigado a libertar os escravos; no fim do século derrubou a monarquia para impedir que o grupo abolicionista de Joaquim Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio e muitos outros líderes pusessem em prática seus projetos inclusivos.

A república de Floriano Peixoto teria como meta manter os excluídos fora do jogo. E assim veio um golpe atrás do outro, o último contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Tudo para manter os excluídos longe das conquistas da igualdade. É um jeito de ver as coisas.

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