Inconstitucional, errado e imoral

Davi Alcolumbre e Jair Bolsonaro - Foto Orlando Brito

Ao dispor sobre o Poder Legislativo a Constituição determina, na Seção consagrada às Reuniões, que “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente” (Art. 57, § 4º).

O dispositivo conserva a redação original. Não foi alcançado pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006, que lhe alterou a parte inicial. Conclui-se, portanto, que a vontade da Assembleia Nacional Constituinte, eleita em 1986 pelo povo, permanece inviolada há mais de 30 anos. Segundo a letra da Constituição não é permitido, salutar e defensável, do ponto de vista ético e democrático, a reeleição dentro da mesma legislatura dos integrantes das Mesas condutoras da Câmara dos Deputados e do Senado.

Assim se passava também com o presidente da República desde a Constituição de 1891. A emenda nº 16, de 1967, violou o tradicional princípio da não reeleição para permiti-la a Fernando Henrique Cardoso, Chefe do Poder Executivo. O ex-presidente FHC, em recente artigo publicado no Estadão, pediu desculpas à Nação, arrependido por haver consentido em se reeleger. Tarde demais. O exemplo produziu maus frutos e hoje, o presidente do Senado Davi Alcolumbre, faz aberta campanha entre senadores para continuar à frente da presidência da Casa no biênio 2021-2022 e, provavelmente, nos dois biênios subsequentes.

O que leva obscuro representante do Amapá a tomar a iniciativa indecorosa de violar a Lei Fundamental? Respondo: a ilimitada ambição de poder. Desprovido de coragem para alterar o claríssimo texto constitucional, mediante indecorosa emenda, S. Exa. pensa fazê-lo com a manipulação do Regimento Interno e a cumplicidade dos seus pares. Não duvido que consiga fazê-lo, apesar da flagrante inconstitucionalidade, sobretudo agora quando o Supremo Tribunal Federal, incumbido pela Lei Fundamental de protege-la contra violências, teria sinalizado que lavaria as mãos, como Pilatos no Credo.

Edward Gibbon e O Declínio e Queda do Império Romano

Enfim, seguidamente violada pelos mais variados pretextos, a Constituição é como a mulher de má fama que perdeu a respeitabilidade. Não se põe em dúvida que o senador Alcolumbre se reelegerá e que permanecerá na presidência. É o seu sinistro objetivo. Sofremos o processo da gangsterização da política. Não fosse assim, jamais alguém se aventuraria a buscar se reeleger diante da  vedação  constitucional.

A ambição é insaciável, escreveu Pítaco de Mitilene (640AC-568AC). Edward Guibbon, autor de Declínio e Queda do Império Romano (1737-1794), registrou “De todas as nossas paixões e apetites, o amor ao poder é o de natureza mais imperiosa e insociável, pois a soberba de um homem exige a submissão da multidão”.

Davi Alcolumbre é dominado pela soberba e incapaz de deixar voluntariamente o poder. Procura ignorar que a reeleição é proibida por norma de hierarquia constitucional, contra a qual não prevalece o Regimento Interno.

— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de “A Falsa República”

 

 

 

 

 

Deixe seu comentário