A pandemia do coronavírus está desnudando ainda mais o injusto sistema de castas da sociedade brasileira. O contraste é dramaticamente visível nas ações de alguns governos locais.
Ao fechar comércio e serviços, o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, está condenando trabalhadores ao desemprego e empresários à falência. E todos à perda de renda e ao meio de subsistência, com as danosas consequências à vida das famílias e à economia local.
Do outro lado do balcão, os servidores que fecham lojas e outros empreendimentos voltam para a casa com duas certezas. Cumpriram a ordem do governador e garantiram o salário que não lhes faltará.
Seria apenas irônico constatar que os vencimentos dos agentes pagos para cerrar portas de quem quer trabalhar dependem do pagamento de impostos daqueles que estão sendo impedidos de… trabalhar. Mas é mais do que irônico, é perverso.
Há poucos dias ouvi, pelo rádio, a entrevista de um empresário e dirigente de classe de Santa Maria (RS) dizer “chega”. De fato, estamos chegando a um limite. Discordo do lockdown imposto em outros países, mas há coerência. O governante manda fechar, mas deixa de cobrar impostos e banca renda para quem precisa. Claro, não há o que o governo possa dar que não tenha nos tirado antes.
Aqui, nas plagas gaúchas, o intendente do Piratini manda todos para casa, mas cobra impostos de quem é impedido de produzir. E impõe impostos com alíquotas majoradas. Algumas prefeituras cobram alvará de funcionamento de algo que não está funcionando. De novo, seria apenas irônico não fosse desfaçatez.
Numa democracia, o governador deveria se reunir com representantes de empresários e trabalhadores para definir protocolos e um plano de contingência. É o mais sensato. Em qualquer hipótese, não é mais possível admitir o fechamento de empreendimentos e a simultânea cobrança de tributos e tantas taxas que sobrecarregam os negócios e as pessoas. Não devia, mas se fechar, definitivamente não pode cobrar impostos e taxas.
Mas a inépcia governamental não para por aí. Em 2020, o Governo Federal socorreu estados, municípios e trabalhadores. Foram R$ 60 bilhões em dívidas suspensas, outros R$ 60 bilhões de transferência direta para os entes subnacionais e mais R$ 10 bilhões para ações sanitárias.
Para onde foi este dinheiro? Um eleitor desavisado responderia: “Buenas, o governador reforçou o número de leitos, comprou equipamentos hospitalares, aumentou a testagem, protegeu mais os idosos”.
Esta seria a resposta óbvia caso o ocupante do Piratini se conduzisse pelo interesse público. Mas eis que não. O mandatário local resolveu pagar salários de… servidores públicos. Pelos números do Piratini, foram cerca de R$ 2 bilhões, transferidos pela União, gastos com o funcionalismo.
Os servidores estavam sendo pagos com atraso? Sim. Eles merecem receber em dia? Sim. Era o momento de privilegiar quem tem emprego e renda garantidos? Não. É hora priorizar recursos para salvar vidas e, ao mesmo tempo, socorrer quem está falindo e quem vai passar fome. Este é o drama que precisa ser enfrentado.
* Mateus Bandeira é conselheiro de administração e consultor de empresas. Foi CEO da Falconi, presidente do Banrisul e secretário de Planejamento do RS