O título é tomado por empréstimo do livro de Wagner William (Ed. Record, RJ, 2005), sobre a vida do marechal Henrique Batista Duffles Teixeira Lott (1894-1984). Recorri, também, ao verbete Lott, Henrique Teixeira, do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós 1930 – DHBB (Ed. FGV-CPDOC, 2ª Ed, 2002. Militar que conquistou todos os postos da carreira por merecimento, foi Ministro da Guerra no tumultuado período político iniciado com o suicídio de Getúlio Vargas (24/8/1954) e não encerrado, como se esperava, com a promulgação da Constituição democrática de 5/10/1988.
O Marechal Lott dedicou a vida às Forças Armadas. Ao passar para a reserva era proprietário de casa em Teresópolis, apartamento no Rio de Janeiro e Volkswagen 1960. Adepto intransigente dos princípios da hierarquia e disciplina, como Ministro da Guerra deu exemplos de rara coragem.
É marcante o episódio registrado no início do governo Café Filho quando, na qualidade de Ministro da Guerra, demitiu os generais Zenóbio da Costa e Alcides Etchgoyen e o coronel Alberto Bittencourt das respectivas funções, por manifestações sobre assuntos de natureza política. Logo depois, e pelas mesmas razões, puniu o coronel Bizarria Mamede, autor de desafiador discurso na cerimônia de sepultamento do general Canrobert Pereira da Costa.
Em 3 de novembro de 1955, na plenitude da crise desencadeada pelo discurso do coronel Mamede, mas abortada pelo general Lott, o presidente Café Filho se internou no Hospital dos Servidores do Estado, no Rio de Janeiro, “acometido de distúrbio cardiovascular”. Assumiu o cargo de presidente da República o deputado Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, como primeira etapa de golpe destinado a impedir a posse do recém-eleito presidente Juscelino Kubitscheck.
O general Lott não vacilou. Fez o que dele se esperava. Apoiado pela Marinha de Guerra e Aeronáutica afastou Café Filho e Carlos Luz, assumindo temporariamente o deputado Nereu Ramos. O presidente Kubitscheck tomou posse, realizou governo democrático dedicado ao desenvolvimento, e construiu Brasília.
Jair Bolsonaro é avesso aos princípios de hierarquia e disciplina. Já o era quando capitão paraquedista. O DHBB faz breve relato da carreira, desde a diplomação pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1977, até a reeleição como deputado federal em 1998. Carreira marcada por intermináveis incidentes, como “a operação Beco Sem Saída”, cujo objetivo era “explodir bombas em várias unidades da Vila Militar, da Academia Militar das Agulhas Negras (…) em vários quartéis (…)”.
Em junho de 1988, após ser absolvido por insuficiência de provas pelo Superior Tribunal Militar, Jair Bolsonaro deixou o Exército e foi para a reserva (DHBB, vol. I, págs. 702/703). Na Câmara dos Deputados destacou-se como representante do baixo clero. Passou pelo PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PSC e PSL, pelo qual venceu as eleições de 2019 e depois abandonou, ou foi expelido. É o caso único de presidente à procura de partido.
Eduardo Pazuello, general intendente da ativa, fez o que lhe proíbe a legislação militar: compareceu a comício político. Foi gravado e fotografado ao lado do presidente Bolsonaro. Violou os princípios de hierarquia e disciplina. Deveria ser punido. O comandante-geral do Exército, general Paulo Sérgio de Nogueira de Oliveira, entretanto, fraquejou, contemporizou, consultou e se omitiu. Fertilizou a semente do mau exemplo. Ao abdicar da autoridade indispensável para liderar o Exército de Caxias, Osório, Floriano Peixoto, Mendes de Moraes, Teixeira Lott, Castelo Branco, Ernesto Geisel, Leônidas Pires Gonçalves, dividiu e politizou as Forças Armadas.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Ministro do Trabalho (1985-1988). Ministro e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (1988-2002).