Quando cheguei à Câmara, lá estava o General Flores da Cunha, de terno branco, sempre de roupa clara, gravata borboleta, cabeça branca e contando histórias dos pagos gaúchos. Sua história já era, então, uma lenda: fora deputado desde a legislatura de 1913, senador em 1928, um dos líderes da Revolução de 30, governador do Rio Grande do Sul em 1935; exilado no Estado Novo, voltara ao Brasil em 42 e fora preso na Ilha Grande; constituinte pela UDN, tornara-se presidente da Câmara em 1955.
No primeiro dia em que nos cruzamos, ele pegou no meu braço e perguntou:
— Menino, de onde vens?
— Do Maranhão.
— Isto aqui já é jardim de infância?
Eu era bem jovem: estava nos meus 25 anos.
Certa vez, num debate na Câmara, o orador invocou aquele exemplo sempre usado quando se quer referir a uma coisa impossível: “É mais fácil um boi voar…”
Quando Flores da Cunha, criador, admirador de cavalos e de corrida, ouviu isso, levantou-se, foi ao microfone e disse:
— Boi não sei se voa, mas cavalo, se for alazão, voa!
Flores da Cunha presidia a Câmara, e eu fui, como Vice-Líder da UDN, pedir-lhe que convocasse uma sessão noturna para votarmos uns projetos. Ele me disse que fosse ao 1º secretário, Deputado Wilson Fadul, para que ele fizesse a convocação.
Fui ao Fadul, que me disse:
— Sarney, só convoco se o General Flores da Cunha mandar por escrito.
Retornei ao Flores da Cunha e repeti-lhe o que acabara de ouvir do Fadul. Ele me respondeu:
— Volte ao Fadul e diga-lhe que a palavra do General Flores da Cunha vale mais do que a sua assinatura.
Era um frequentador assíduo do jóquei-clube, onde não perdia a chance de jogar num páreo. Já na velhice, estava passando por dificuldades, e perguntaram-lhe o motivo de sua situação.
Ele respondeu:
— Mulheres ligeiras e cavalos lerdos!
Discursava na tribuna da Câmara e um deputado o aparteou dizendo:
— Vossa Excelência dá uma no cravo e outra na ferradura!
O general respondeu rapidamente:
— Mas não tenho culpa de você se mexer tanto!
Quando Juscelino mandou à Câmara dos Deputados o projeto das tesoureiras letra “O” — classificação alta na tabela de vencimentos do funcionalismo —, regularizando cargos que ele tinha preenchido, diziam, com moças muito bonitas, o General Flores da Cunha pegou-me pelo braço e perguntou:
— Vais votar neste projeto?
Eu respondi-lhe:
— General, do senhor eu esperava bons exemplos, mas em vez disso me dá um mau exemplo pedindo meu apoio a um projeto vergonhoso como este?
Ele me respondeu:
— Sarney, olha ali, naquela tribuna…
Eu olhei, e ele me mostrou uma velhinha elegante, de chapeuzinho de lado, assistindo aos debates na Câmara. Então acrescentou:
— Aquela é a Rosita. Ela fazia nossa felicidade quando nos defendíamos do minuano no tempo dos provisórios — forças armadas estaduais, compostas por brigadas militares e milícias civis. Ela vai ser nomeada tesoureira letra “O”. Então tu achas que, porque Adão, pai de todos nós, nos meteu nesse sacrifício de trabalhar para comer, para tudo na vida, eu não devo, por motivo de gratidão e amor, aumentar o orçamento da República um pouquinho por causa de uma mulher?
E completou:
— Uma vez, na tenda da campanha, esquecido de que estava fumando um bom charuto, queimei-a! Ela reagiu, em trejeitos de carinhos: “General, usted me lastima!”
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado, escritor da Academia Brasileia de Letras