Rio Branco é uma grande avenida no centro do Rio, e também uma cidade na Amazônia. Já o Rio Branco, Barão, foi um dos mais competentes homens públicos do Brasil, atuando nas Relações Exteriores, como chanceler, por doze anos. Foi um dos maiores destaques da diplomacia brasileira, reconhecido internacionalmente. Assim como a própria diplomacia do Brasil, que o tem como patrono e inspirador de suas linhas mestras, é igualmente respeitada como uma das melhores do mundo. Não apenas pelo Barão do Rio Branco como pelo seguimento da filosofia e ideário por ele criado e desenvolvido pelos seus seguidores na carreira.
Há pouco tempo, com a posse do novo governo, esta realidade começou a mudar drasticamente. O ministro das Relações Exteriores, que ainda não chegou ao cargo de embaixador, declarou considerar-se um verdadeiro poeta. Equivalente até a João Cabral de Melo Neto, homenageado na cerimônia de entrega das medalhas da Ordem de Rio Branco, no Dia do Diplomata. Cabral foi um grande poeta e diplomata. Mas absolutamente nada a ver um com o outro. O poeta Ernesto Araújo alterou o cerimonial e os hábitos do Itamaraty no tocante a recepções e homenagens. Ressuscitou uma bandeira brasileira válida apenas por cinco dias, depois da proclamação da República, igualzinha à dos Estados Unidos, mas verde e amarela. Trump soube e ficou encantado.
José Maria da Silva Paranhos Filho recebeu o título de Barão do Rio Branco em reconhecimento à sua atividade extraordinária. Era um abnegado trabalhador, passando o dia no gabinete e, não raro, avançava pela noite e dormia ali mesmo. Para isso havia um sofá disfarçado por cortinas, e peças de roupa num armário. O Barão tinha no gabinete 14 mesas de trabalho, nenhuma vazia. Não fosse o Barão do Rio Branco o Brasil hoje teria um território bem menorzinho. Graças a suas gestões diplomáticas e os acordos firmados o Brasil recebeu o território que hoje é o Estado Acre e outro na fronteira com a Bolívia. Áreas que os brasileiros hoje podem estar utilizando para o plantio sustentável, o crescimento das cidades, ou para queimar.
Em homenagem a este grande brasileiro foi criado o Instituto Rio Branco, para a formação de diplomatas. Anualmente há solenidade para entrega de medalhas da Ordem do Mérito do Barão do Rio Branco. O poeta-ministro, autor de surpresas anteriores, afirmou em seu discurso que o Brasil é um pária, e que isso é bom. É uma opinião. Este ano a solenidade foi mais requintada. De um lado houve deslumbramento, de outro, considerando a própria comunidade diplomática, protestos e indignação. Pela festa de ostentação e por presenças inesperadas. Houve alvoroço da plateia, obrigando a circulação de funcionários com grandes placas pedindo silêncio.
Os diplomatas veteranos estão decepcionados com as mudanças. Consideram que houve desrespeito à tradição e princípios da Casa de Rio Branco, algo jamais imaginado anteriormente. Desta vez, pessoas sem ligação com a atividade diplomática e a política internacional, além de não serem exponenciais em suas atividades, foram agraciadas com a Ordem de Rio Branco. Cerca de 150 homenageados e seus convidados lotaram os salões do Palácio do Itamaraty. Mais da metade deles eram militares que participaram da chamada Operação Regresso, que levou socorros ao Líbano após a explosão do porto. O descontentamento dos diplomatas não seduzidos pela prosa do poeta já ficaram latentes no ano passado, quando a condecoração máxima foi outorgada ao pretenso filósofo Olavo de Carvalho. Meses depois o valentão Olavo xingou o presidente Bolsonaro em plena internet, com os insultos mais ofensivos da vasta e criativa pornografia brasileira.
A memória do Barão do Rio Branco entra nesse episódio inocentemente, porque seu nome virou simbologia da maior condecoração do Itamaraty. Por isso mesmo destinada a personalidades no mínimo especiais e, obviamente, de alto nível moral e intelectual. Hoje, na Casa de Rio Branco impera a ideologia exacerbada, a adoração aos Estados Unidos, dependência da qual o Brasil custou a se livrar, e uma espécie de perseguição interna a quem não se adaptar aos novos (?) tempos. Nos países civilizados, quando existe uma mudança, deve ser sempre para melhor.
O povo brasileiro tinha uma admiração especial pelo Barão do Rio Branco. Quando ele morreu, em 1912, às vésperas do carnaval, houve uma homenagem, hoje inimaginável, à sua memória. Foi suspensa – sim, sim – a realização do carnaval no Rio de Janeiro.
— José Fonseca Filho e Jornalista