Febeapá: Festival de Besteira que Assola o País – Relembrando Stanislaw

As Certinhas do Lalau

Em um onze de janeiro de 1923 nascia, no Rio de Janeiro, Sérgio Porto. Jornalista, cronista, escritor, compositor, radialista, comentarista, teatrólogo, roteirista, humorista e, como costumava declarar, funcionário do Banco do Brasil ‘nas horas vagas’.

Sérgio Porto: Stanislaw Ponte Preta

Sérgio atuou em nas revistas Sombra e Manchete, nos jornais Última Hora, Tribuna da Imprensa e Diário Carioca. Sua verve humorística, a partir da criação do pseudônimo ‘Stanislaw Ponte Preta’ – seu alter ego, talvez inspirado no personagem Serafim Ponte Grande de Oswald de Andrade, passou, nos anos de chumbo, a atacar o governo com histórias reais, mas que se pareceriam manchetes do atual “Sensacionalista”.

Ponte Preta criticava, de modo absolutamente irônico e criativo, em sua coluna “Fofocalizando”, no jornal “Última Hora”, de Samuel Wainer, o regime militar e suas ações estapafúrdias, colunáveis e políticos. Chamava de ‘festival de besteiras’ que acabou evoluindo para “Febeapá – O Festival de Besteira que Assola o País” e se tornou livro em três volumes.

Stanislaw, criou gírias, expressões e personagens como “cocoroca”, “sente o drama” e “samba do crioulo doido” – também título de uma composição sua para o teatro rebolado -, que passaram a fazer parte do dia a dia do país e a Tia Zulmira irônica e debochada. Havia também os agentes da “Pretapress”, uma espécie de fontes que, por cartas, davam informações à coluna.

Maneco Müller, o Jacinto de Thormes

Satirizando o colunista Maneco Muller, cujo pseudônimo era Jacinto de Thormes, precursor do colunismo social no Brasil, que fazia muito sucesso à época, Stanislaw, criou “As Certinhas do Lalau”, sessão em sua coluna, onde apresentava musas da temporada. Muitas atrizes e vedetes foram eleitas por meio de seu voto, o que acabou se tornando, por sua produção, um concurso de beleza.


Algumas de suas crônicas memoráveis fazem rir até hoje. A melhor delas dá conta que, após estreia do clássico ‘Electra’ de Sófocles, no Teatro Municipal de São Paulo, agentes do DOPS foram até o local com o intuito de prender o autor, acusado de subversão. História semelhante se repetiu em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul: o coronel Bermudes, secretário da insegurança gaúcha, acusou todo o elenco do Teatro Leopoldina de debochado e exigia a presença dos atores e principalmente do autor Georges Feydeau, em seu gabinete. O autor teve de desobedecer a sua ordem; morrera em 1921 em Paris.

Outras dão conta do festival de sandices que parecem não terem mudado, muito pelo contrário: outra informa que o prefeito da cidade serrana fluminense de Petrópolis, baixara normas para banhos de mar. Na capital da Paraíba, no ano de 1965, era presa Eunice Lemos Jekiel, quando almoçava num restaurante. A senhora vivera por mais de 20 anos nos Estados Unidos e acabara por esquecer sua língua pátria, o português. Motivo alegado para a prisão “é que ela estava falando inglês em público e, portanto, talvez fosse comunista”.

O ministro da Saúde, dr. Raimundo de Britto, pronunciou uma frase para constar nos anais da literatura das besteiras e bobagens já ditas, oficialmente, neste país: “Para aliviar a despesa do Tesouro Nacional devem morrer de fome dez por cento dos funcionários públicos, nem que para isso se inclua meu filho”. O Embaixador do Brasil em Washington no governo Castello Branco, Juraci Magalhães soltou a seguinte pérola: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Parece atual? Foi há mais de 55 anos.

Não para por aí: Em Niterói – isto é até pecado, cruzes!!! –, numa feira de livros instalada na Praça Martim

Afonso, a polícia apreendeu vários exemplares da encíclica papal Mater et magistra, sob a alegação de que aquilo era material subversivo. Para representar o mês de março de 65 no Festival, isso é mais do que suficiente…”. Tem mais: “Ontem um grupo de coleguinhas jornalistas estava comentando a nota enviada pelos outrossim coleguinhas jornalistas de Brasília, ao senhor ministro das Relações Exteriores.

A nota, em síntese, pede a S. Exa, que tenha suas relações exteriores, mas sem prejudicar suas relações interiores; isto é, os notistas ficaram um bocado chateados com as declarações de S. Exa., de que o noticiário dos repórteres que fazem a cobertura do contrabando de minérios por cidadãos norte-americanos é tudo mentira e os rapazes são todos comunistas, interessados apenas em atrasar nossas relações diplomáticas com a grande nação da América do Norte”. E por aí vai: “A coisa atingia – como já disse – todas as camadas sociais, inclusive a intocável turma dos grã-finos. Por exemplo: num dos clubes mais elegantes de Belo Horizonte, realizou-se a festa para a escolha da “Glamour Girl de 1965”. A eleita, sob aplausos gerais, foi devidamente cercada e enfaixada. Na faixa, lia -se: “Glamour GIR de 65”. Levando-se em conta que ‘gir’ é uma raça de gado vacum, foi chato.”

Em dias atuais teria muita matéria-prima para suas crônicas que, com sua criatividade, ganhariam contornos mais inusitados ainda.

Foi há mais de 50 anos, alguma coisa mudou?

— Carlos Monteiro é jornalista

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