Ô semana intensa! Mais uma, só pra variar… Na política, na saúde, na quantidade de mortes, sejam as vítimas da pandemia, sejam as de pessoas conhecidas. Entre elas, artistas de primeira grandeza. Mas uma não mereceu muita repercussão: a do ex-senador Guilherme Palmeira. E penso que a trajetória e o perfil dele dizem muito do momento atual e do passado recente.
No período em que esteve no Senado, entre 1983 e 1998, mantivemos boa convivência. Ele era, no jargão jornalístico, minha fonte. Um político que, independentemente de suas posições partidárias, tinha uma visão ampla do dia a dia, conhecia os bastidores e sabia projetar os acontecimentos políticos. Basicamente, fazia política, conversava política, gostava de política. Como não acontece mais, já há um bom tempo…
Dizia que não gostava muito daquela fase das CPIs, das denúncias, em que todo mundo estava mais interessado em derrubar alguém. Como também o chamado jornalismo investigativo não era muito a minha praia, preferia conversar com pessoas como ele. E ele também gostava; dizia que eu e mais uns poucos – me lembro de ele citar a Dora Kramer – tínhamos capacidade de análise política. Pra mim, na época, foi um baita elogio. Além de toda sua experiência – foi prefeito de Maceió, governador de Alagoas, deputado estadual, senador, ministro do Tribunal de Contas – tinha como característica o gosto pelo bom papo, de uma fina ironia. Melhor ainda se regado a uns drinques.
Chegou a ser indicado para vice na chapa de Fernando Henrique Cardoso, na eleição de 1994, mas uma denúncia, nunca comprovada, fez com que ele desse lugar a Marco Maciel. São, enfim, personagens de um modo de fazer política que não existe mais. Com conversa e tolerância, que ele exerceu, inclusive, em casa: era irmão de um grande (e radical) líder estudantil nas revoltas de 1968 contra a ditadura e, mais tarde, liderança do PT, Vladimir Palmeira, enquanto Guilherme militou na Arena e no PFL, hoje DEM.
Não era a política do negócio ou do xingamento – as principais características do modo de se fazer política nos últimos tempos. Tinha-se tempo pra longas conversas e espaço para o humor.
Houve ainda um episódio divertido em que nos envolvemos. Eu passava férias na casa de uns amigos na Barra de São Miguel, em Maceió, acho que o ano foi 1986. Um dia, reconheço o senador chegando na casa ao lado. Ele tinha acabado de descer de um ultraleve e já estava com uma caipirinha na mão. Fui até lá vê-lo e ele insistia para que eu desse uma volta na tal geringonça. Eu disse que tinha medo e ele: “mas se eu, manco como sou, bem mais velho, tive coragem, você não vai ter?”
Diante desse desafio, como negar? Lá fui eu, com o piloto (de cujo nome não me lembro, mas me disse depois o ex-deputado José Thomas Nonô que era um maluco). Percebendo meus temores, ele deu de fazer acrobacias pra me assustar. Sobrevivi, mas quase que ele não. Logo que me deixou na praia, pegou de novo o ultraleve para voltar pra cidade e, querendo fazer mais uma graça, arremeteu contra os arrecifes. O ultraleve, e soube disso na hora, se desmonta com choques. Foi a sorte dele, além de ter sido socorrido pelo meu anfitrião, que é médico e correu até lá, achando que eu ainda estava “a bordo”. Só nos restou, ao senador, a mim e aos amigos da casa, beber mais umas, pra desanuviar.
A última vez que nos encontramos foi no restaurante Piantella. Mesmo depois de aposentado, meio que fora da política, ele mantinha o hábito, junto com outros políticos, amigos e jornalistas, da “sexta-feira sem lei”. Sem sessões no Congresso, com o restaurante mais vazio, os parlamentares podiam se estender um pouco mais e relaxar. Eram momentos muito descontraídos, de excelente conversa. Ninguém estava ali exatamente para passar ou tirar informações, mas não era raro que se extraísse muita coisa boa deste papo solto.
O Piantella fechou no final de abril. Guilherme Palmeira morreu na segunda-feira, dia 4. Tinha 81 anos. Como disse um amigo jornalista, também um bocado experiente, acho que estamos vivendo o fim de uma época. Sem nostalgia, mas não dá pra dizer que agora é melhor.