Execução de sentenças e o calote dos precatórios

No sentido jurídico da palavra, execução consiste na conversão da sentença escrita e definitiva, em resultado concreto para o vencedor da ação. Nas palavras do jurista Alcides de Mendonça Lima, “é o ato culminante do processo, da atividade jurisdicional em seus múltiplos aspectos, da satisfação dos interesses em conflito”.

Sentença condenatória não executada converte aquilo que o autor tinha como vitória, em derrota diante do réu. A Constituição e o Código de Processo Civil tratam a execução com dois pesos e duas medidas. Quando dirigida contra pessoa natural ou jurídica de direito privado, o Poder Judiciário dispõe de instrumentos que lhe permitem agir com rapidez e rigor, como no caso da penhora on line ou eletrônica. Se for necessário bloqueia, apreende, embarga, confisca depósitos bancários e aplicações financeiras, ou ativos que, levados à praça, proporcionarão recursos necessários para a satisfação da dívida judicial.

Quando o débito é da União, do Distrito Federal, dos Estados, Municípios e autarquias, o procedimento do Poder Judiciário assume características opostas. Diante da impenhorabilidade dos bens da Fazenda Pública, o pagamento observará obscuras regras fixadas pelo Art. 100 e seus parágrafos, da Constituição de 1988, aos quais se agregam os artigos 33, 78, 101, 102, 103, 104, 105 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Registre-se que a redação original do Art. 100 tem sofrido alterações benéficas ao devedor, as duas últimas de números 62/2009 e 94/2016. No momento está em curso a PEC 23/2021, do Poder Executivo, sob forte rejeição na Câmara dos Deputados e no Senado

Paulo Guedes e os precatórios

Enquanto o devedor privado é executado compulsoriamente, com escassos meios de defesa, no caso da pessoa jurídica de direito público a existência da dívida deve ser comunicada por ofício precatório até o dia 1º de julho, para ser incluída no orçamento do ano seguinte, com valores atualizados. A inclusão, contudo, não garante o pagamento, como revela o descomunal número de precatórios em atraso. O Relatório Geral da Justiça do Trabalho referente ao ano de 2019, divulgado pelo Tribunal Superior do Trabalho, acusava a existência de dívidas vencidas da ordem de R$ 14.185 bilhões. A dívida total anda em torno de R$ 90 bilhões.

O assunto voltou à tona e ganhou relevo nos últimos dias, diante de declarações públicas do Dr. Paulo Guedes. Após advertir que, por falta de recursos, pagará “assim que puder”, S. Exa. reagiu às dificuldades encontradas no Congresso Nacional, em relação à PEC 23, dizendo: “Se o precatório não passar, vamos mandar Orçamento de R$ 90 bilhões e vai faltar dinheiro para pagamento até de salários. Se não descumprir uma lei, descumpriremos outras” (O Estado, 20/8, pág. B4).

O credor da Fazenda Pública derrotado pelo cansaço poderá se utilizar do parágrafo 13 do artigo 100 e “ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independente de concordância do devedor”. Ceder, mas com deságio de até 90%, conforme implacáveis leis de mercado.

O jurista José Augusto Delgado – Foto Magnus Nascimento

É lamentável a insensibilidade do mundo jurídico em relação ao pagamento de dívidas públicas. Na opinião do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, José Augusto Delgado, o precatório seria “figura tupiniquim”, gerada pelo direito brasileiro para resolver problemas de caixa da Administração Pública. Surgiu no Decreto nº 3.084. de 5/11/1898, cujo art. 532 prescrevia “Não estão sujeitos à penhora os bens da União, dos Estados ou das Câmaras Municipais, bem como as suas rendas, os quais só devem ser despendidos de acordo com os respectivos orçamentos”.

Sendo o devedor pessoa natural ou jurídica de direito privada e o credor a Fazendo Pública, a cobrança será imediata e rigorosa, acrescida de juros e correção monetária. Quando as posições se invertem, o pagamento não será objeto de execução, mas de burocrática requisição ao órgão devedor. A quitação far-se-á quando estiver disposto a saldar. Como diria o Ministro Paulo Guedes, devo, não nego, pago quando quiser.

— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

 

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