Algumas entrevistas coletivas do presidente Mimimi Bolsonaro ocorrem sob frondosas árvores na entrada do Palácio da Alvorada. Toda manhã ali o esperam dezenas de jornalistas, raça que o presidente abomina. Esse lugar é chamado de chiqueirinho, e parece bem inspirado. O carro pára, o presidente desce bem humorado e saúda a todos: “Bom dia, porra!”
Ninguém se surpreende porque é a saudação rotineira. O presidente é um tremendo boca-suja e em qualquer lugar – menos talvez na Catedral – dispara seu porco vocabulário. Ninguém lhe repreende nem o xinga de volta, mas já existe uma certa saturação. Ele prossegue, com sua prática baseada na falta de educação doméstica. Cada vez mais grosseiro.
Os seus lives na televisão apresentam o mesmo palavreado chulo, disputam a sujeira com as entrevistas pessoais ou coletivas. As maiores exibições pornofônicas ocorrem na televisão. Possível conhecedor do tema, afirmou a um dos repórteres que ele tinha cara de homosexual, mas que ele não se preocupasse porque “não iria chamá-lo de homossexual“. O presidente não se incomoda com a eventual reação dos jornalistas. Para ele os repórteres são mentirosos e os jornais facciosos, revelando absoluto desconhecimento da mídia e sua importância na comunicação mundial.
Quando o carro se aproxima e o presidente percebe que há muitos repórteres, logo se anima: “Ôpa, vou soltar o cacete nesses caras”. Seus alvos preferidos são a Folha de SP e a TV Globo, mas para ele “toda a imprensa brasileira é canalha”. Na verdade ele só gosta de jornal puxa-saco ou faixa branca, já meio escassos. A parada no chiqueirinho funciona para o presidente como sessão de psicanálise para neuróticos. De TV só gosta das evangélicas, que falam melhor dele que do bom Deus.
Os repórteres levam as agressões presidenciais na troça, dão gargalhadas, mas ora se aborrecem. A um dos repórteres, desgostoso com a pergunta, deu uma resposta direta: “Tô com vontade de encher tua boca com uma porrada”. Para outro gritou “cala a boca, não lhe perguntei nada”. A uma repórter mandou comprar vacina “na casa da sua mãe”. Por outro indagado se o Queiróz, sócio de seu filho na empresa Raspadinhas S. A. estava na casa do 01, de novo respondeu: “Tá na casa da sua mãe”.
– O Sr. está nos ameaçando? – por vezes ouve de um jornalista, mas a resposta é sucinta: “Cala a boca, não te perguntei nada.” Os repórteres riem gostosamente, no clima de molecagem instaurado pelo presidente. Ele pensa que está gozando os repórteres, mas os jornalistas é que o estão levando no deboche. E desconfiam que provavelmente jamais em suas carreiras encontrarão pela frente personagem semelhante para entrevistar.
Certa feita, na TV, Bolsonaro recordou sua formação de atleta que o tornou mais resistente à pandemia, embora já tenha sido por ela atacado. Algo que os jornalistas não conseguiriam, frisou “porque vocês são uns bundões, tem menos possibilidade de sobreviver”. Outra vez, olha só, chegou a dizer que, na realidade “poucos são maus jornalistas, a maioria são bons.” A turma bateu palmas e assobiou.
Turistas, visitantes curiosos, fanáticos seguidores do capetão Bolsonaro juntam-se aos repórteres nesses espetáculos matinais. Quando o presidente fala, os fanatizados de sua laia gritam em êxtase e hostilizam os repórteres. O chiqueirinho vira zona, o presidente entra no carro e segue para o Palácio do Planalto, onde tem acesso pela entrada privativa. “Amanhã pego essa cambada de novo”, pensou ao entrar no gabinete. Estava se sentindo realizado.
— José Fonseca Filho é jornalista