O assunto do dia nos noticiários é, com certeza, a repercussão da apresentação do relatório do senador Renan Calheiros, na CPI da Pandemia, pedindo o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por 9 crimes, dos seus três filhos, de duas empresas e mais 62 pessoas. Embora tenha causado estardalhaço na mídia e no meio político, na prática somente daqui a algum tempo, talvez anos, é que veremos se todo esse barulho trará resultado prático para a população ou se tudo se transformará em fumaça, como aconteceu em outras investigações.
Diante dessa descrença, vou me abster de comentar sobre o tal relatório e tratar de um tema muito mais importante e que deveria ser prioridade para a mídia, o parlamento, o Judiciário e os governos (federal, estadual e municipal): a dura realidade dos brasileiros, especialmente os mais pobres diante da crise econômica, do desemprego, da violência e da falta de perspectiva.
Esta semana um vídeo gravado por um motorista de aplicativo em Fortaleza viralizou nas redes sociais e acabou virando notícia no país inteiro. Para mim, uma notícia muito mais importante e mais impactante que a própria CPI e os discursos de suas excelências.
Nas imagens, aparecem dezenas de pessoas tirando de dentro de um caminhão de lixo comida estragada que havia sido descartada por um supermercado localizado em um bairro nobre da capital cearense. Mais do que simplesmente chocar a todos, aquela cena é o exato retrato da dura realidade de milhares de brasileiros pelos quatro cantos do país. Uma realidade que a classe política não consegue ou finge não enxergar.
O mais triste é que esse não é um fato isolado. Diariamente vemos pessoas nos sinais, nos restaurantes, nos mercados pedindo ajuda para comer. Pessoas sem casas, dormindo nas ruas, nas calçadas. Uma multidão de desvalidos sem nome e sem rosto, esfregando na nossa cara a cada instante a nossa incompetência por não cobrar das autoridades que cumpram com as obrigações para as quais foram eleitas ou indicadas. Pior é ver, ainda, pessoas se digladiando, brigando com amigos e familiares para defender político.
O vídeo do Ceará é a prova contundente de que nosso sistema está falido e da grave situação de miséria na qual vivem milhares de brasileiros. É consequência de um governo incompetente, inepto, irresponsável, descompromissado com o seu povo e sem um pingo de sensibilidade social para perceber e se preocupar em oferecer soluções que possam modificar essa situação? Sim, claro. Mas não só.
É o preço que o país paga por ter colocado na presidência da República alguém sem a mínima qualificação para assumir o cargo que ocupa. Bolsonaro não sabe decidir, não sabe escolher, não cumpre o que promete e não assume suas responsabilidades pelos erros e falhas do seu governo.
Suas bandeiras nada tem a ver com os problemas reais do Brasil, como a fome, o desemprego, a miséria, o combate à corrupção, a falta de educação, de saúde e de segurança. Elas (as bandeiras bolsonaristas) são voltadas a preocupações com o aumento do uso de armas de fogo e ao questionamento da segurança das urnas eletrônicas. Nada que vá resolver a vida do cidadão comum.
Mas ele não é o único culpado por toda essa bandalheira, talvez o maior. Não podemos eximir dessa responsabilidade os governadores, prefeitos, deputados e senadores. Todos têm sua parcela de culpa, mas assim como o presidente, sempre buscam terceirizá-las. A grande maioria dos nossos representantes procura apenas atender aos próprios interesses. As necessidades da população sempre são deixadas de lado.
O Congresso Nacional é um bom exemplo dessa falta de conexão da classe política brasileira com a situação da população. Apesar da crise, deputados e senadores têm priorizado pautas que definitivamente só dizem respeito aos interesses próprios. Não por acaso, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, priorizou a votação da PEC da Vingança – derrotada pelo plenário nesta quarta-feira. Uma emenda constitucional que não traria qualquer benefício ao cidadão comum, apenas aos poderosos.
Lira, aliás, tem sido rápido nas pautas que garantem ainda mais privilégios e benefícios aos ilustres colegas. Foi assim na votação da reforma eleitoral, que dificultou a fiscalização do uso dos recursos do Fundo Eleitoral e que flexibilizou a Lei da Ficha Limpa para que condenados por corrupção e outros crimes possam voltar o mais rápido possível a ocupar um cargo público. Enquanto isso, projetos como o fim do foro privilegiado e a prisão em segunda instância, que combatem à corrupção e o desvio de dinheiro dos nossos impostos, permanecem trancafiados no fundo da gaveta.
O presidente da Câmara tem se aproveitado das confusões diárias armadas por Bolsonaro, seus familiares e ministros para colocar em pauta matérias que interessam apenas a suas excelências, mas não avança nos projetos que podem, de fato, impactar na vida do cidadão comum, de forma definitiva.
Ok, o Senado aprovou esta semana o vale gás, que vai garantir, a cada dois meses, uma ajuda às famílias de baixa renda para custear 50% do valor do gás de cozinha. Mas essa é uma medida paliativa, não resolve. A melhoria da educação, da renda, a garantia de mais saúde e segurança para o cidadão, a redução da corrupção e a punição para quem enfia dinheiro público na cueca, são temas esquecidos, que nenhum político quer discutir.
Discutir de forma séria e definitiva a solução para os reais problemas da população não faz parte da lista de prioridades de suas excelências. Nem mesmo dos candidatos à presidência da República, que preferem passar o dia criticando uns aos outros sem mostrar como pretendem tirar o Brasil do atoleiro.