O primeiro contato com a Economia Política aconteceu na primeira série da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, quando adquiri o Compêndio d’Economia Política do professor francês Carlos Gide, obra que à época alcançou sucesso. Foram 25 edições com o total de 100 mil exemplares, que proporcionaram ao autor o Prêmio Goncourt. Carlos Gide situava como objeto da Economia Política “aquelas relações, dos homens em sociedade, que conduzem à satisfação de suas necessidades, ao seu bem estar e que dependem da posse de objetos materiais” (Ed. Globo, PA, 1953, pág. 4). Para Adam Smith, o escocês autor do clássico A Riqueza das Nações, a Economia Política visa “enriquecer tanto o povo como o soberano” (Editora Abril Cultural, SP, 1983, vol. I, pág. 357)
É curioso observar a quase total ausência de referência ao fenômeno da inflação na obra de Gide. Apesar de volumosa não se detém na análise do processo inflacionário que devastou a Alemanha após o término da primeira guerra mundial. Em breves linhas o autor escreveu apenas que “Ao contrário do que se disse, a guerra 1914-1918 não demonstrou a inanidade das previsões da Economia Política; mas geralmente as confirmou, como na inflação, prodigiosamente ampliadas”
Entre nós o professor Mário Henrique Simonsen publicou o livro “A experiência inflacionária no Brasil” (Ed. Instituto de Pesquisas Sociais – IPÊS/GB, 1964) em 1964, Escreveu Simonsen que “Um dos aspectos mais curiosos da História Econômica do Brasil reside na tendência secular à alta de preços, registrada desde os primeiros anos do Império”. Para ele “a raiz sócio-política da inflação brasileira se pode encontrar na incompatibilidade da política distributiva do Governo. Os diferentes grupos sociais mostram-se insatisfeitos com a sua participação e o Governo, para aplacá-los, tenta dividir o Produto em partes de soma superior ao todo”. A revolução das aspirações crescentes, como a denominou Simonsen, alimentada por grupos sociais insatisfeitos com a pobreza, “tende a reivindicar melhorias de padrão de vida muito mais rápidas do que as que seriam permitidas pelo aumento da produtividade. Todo o mundo se convence honestamente de que seu salário é injusto e não dá para viver” (pág. 15).
A geração do Plano Real (1994) não conheceu a inflação galopante das décadas de 1960, 1970, 1980, caracterizadas pelo contínuo aumento de preços e trocas incessantes de aviltadas moedas. Para não ir longe, em 1983, no governo do presidente João Figueiredo, sendo Ernani Galveas Ministro da Fazenda e Delfin Netto Ministro do Planejamento, o Brasil entrou em recessão, o desemprego explodiu e a inflação alcançou 235%. O presidente José Sarney, após o malogro de quatro planos econômicos, transmitiu o governo a Fernando Collor em março de 1990 com a inflação acumulada em 12 meses de 1.782,90%.
Afinal, o que é inflação? O economista Helmuth Frisch admite que “no existe una definición de aceptación general”. Por esse motivo se utiliza de enunciado simples: “La inflación es um processo de elevación continua de los precios, o de disminuición continua del valor de dinero” (Laidlery Parkin, 1975)” (Teorias de la inflación, Alianza Editorial, Madri, 1988, pág. 15), Com efeito, a elevação dos preços reduz o poder aquisitivo do dinheiro e torna obrigatório dispor de quantias cada vez maiores para aquisição da mesma quantidade do produto. Durante os anos de inflação galopante todos tentavam se proteger contra a desvalorização da moeda. Ao receber o salário o trabalhador corria ao próximo supermercado para lotar o carrinho com aquilo que conseguisse comprar. Perder um dia causava-lhe imenso prejuízo. Chegamos a conhecer o overnight e a escala móvel de salários (gatilho), embutida no Plano Cruzado I (26/2/1986) por sugestão minha, quando Ministro do Trabalho.
Do longo período dominado pela inflação colhemos preciosos ensinamentos. O primeiro consiste na inutilidade do congelamento de preços. As tentativas levadas a efeito nos planos Cruzado I, Cruzado II, Bresser e Verão, resultaram no desabastecimento de gêneros de primeira necessidade, seguido pela elevação incontrolável dos preços e veloz retorno da inflação. O segundo na impossibilidade de solucionar crise econômica com remendos e enxertos na legislação.
O Covid-19 desnudou a realidade. A crise que se avolumava desde o governo Dilma Roussef ganhou proporções jamais conhecidas. A indústria e o comércio paralisados, milhões de desempregados, subocupados e desalentados, vivendo abaixo da linha da pobreza, à espera de minguado auxílio-emergencial.
À falta de planejamento o governo apela para a retórica. Tendo mais da metade do mandato pela frente, se ocupa com a reeleição. A inflação é doença degenerativa que desconhece vacina. Tem preferência por economias secundárias, debilitadas pela corrupção, politicamente instáveis, caracterizadas pela insegurança jurídica. O que nos espera em 2021? O presidente Jair Bolsonaro será capaz de nos dizer?
— Almir Pazzinotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de “A Falsa República e 30 Anos de Crise -1988-2018”