O vice-presidente Hamilton Mourão, em entrevista à Folha, disse, e eu abro aspas: “Não se pode considerar ‘meia dúzia de gente que estava na rua’ como uma ameaça” E reduziu o ato de se atirar morteiros, de artifício, é verdade, sobre o prédio do Supremo Tribunal Federal a um “inconveniente”. Não satisfeito, acrescentou que considerar “essa meia dúzia de gente que estava aí na rua como uma ameaça é a mesma coisa que a gente considerar aquela turma que aparece com bandeira de foice e martelo como ameaça”.
Pois é.
Mas eu asseguro, Mourão, que se um só dos que você chamou de turma da foice e martelo, os comunistas, passasse meia hora atirando os mesmos morteiros por sobre o seu Palácio, o do Jaburu, já estaria a essa hora enquadrado na mesma Lei de Segurança Nacional com que o seu Ministro da Justiça, aquele garoto, como é mesmo que ele chama? – Ah, o Andrezinho Mendonça – está ameaçando dois reconhecidos e respeitados jornalistas, Aroeira e Ricardo Noblat, por causa de uma charge humorística. E digo mais: fazer ironia com a foice e o martelo tem o mesmo valor, como ironia, de uma cruz vermelha travestida de suástica.
Seu superior, Mourão, está acuado, entrincheirado atrás dos filhos, e do Weintraub, enquanto você e os demais generais do Palácio do Planalto limitam-se a arrumar desculpas para as estultices e maldades dele. Sei que não era este o papel que vocês esperavam cumprir em sua volta ao poder ‘pelo voto’, como já tive a oportunidade de salientar neste mesmo Os Divergentes, em um artigo no qual já assinalava, em 5 de maio último, ser “preciso falar de Hamilton Mourão”.
E desconfio, depois de ter lido hoje, 16/06, no Valor Econômico, mais um jornal que seu presidente desqualifica, que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, em encontro mediado pelo ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na quarta passada, 09/06, conversou sobre você com o comandante do Exército, general Edson Pujol. Diz o Valor, ainda que possa ser apenas mais uma fake news, que Gilmar foi levar ao comandante do Exército a 15a edição de seu já clássico livro, Curso de Direito Constitucional. E aproveitou para desfazer o equívoco, e aí você de certo surgiu na conversa, de que o STF não estaria deixando Jair Bolsonaro governar, ao contrário do aventado por vocês no mesmo Valor em 01/06.
Mas, talvez, a conversa entre o ministro e o comandante tenha resvalado em um outro assunto, também relacionado a você. Assunto bifurcado em duas possibilidades, sobre as quais tomarei algumas liberdades poéticas, mas não totalmente infundadas, confio. A primeira teria a ver com as ações judiciais, ora em fase final de investigação pelo Tribunal Superior Eleitoral, que poderiam eventualmente levar de roldão seu mandato de vice-presidente, junto com o de Bolsonaro. Poder ser que Gilmar Mendes, com a franqueza que lhe é peculiar, aliada ao seu reconhecido conhecimento jurídico, tenha ponderado junto ao general Pujol ser difícil ao TSE amealhar evidências suficientes, tanto de abuso de poder econômico no impulsionamento de propaganda eleitoral, quanto de crime eleitoral cibernético, capazes de levar à cassação da chapa vencedora em 2018. Ainda que atores secundários venham a receber algum tipo de condenação. Mas, com a mesma franqueza, Gilmar poderá ter ponderado que, no caso da investigação solicitada pela Procuradoria Geral da República, evidências tendem a levar ao indiciamento do Presidente da República por crime, por exemplo, de prevaricação, por tentar interferir na Polícia Federal para proteger família e amigos. E, isto acontecendo, o STF nada poderá fazer que não enviar à Câmara dos Deputados autorização para julgar Bolsonaro. Certamente o ministro não terá jamais insinuado coisa parecida, mas pode ser que mesmo assim tenha passado pela cabeça do comandante o seguinte pensamento: mas não seria melhor o Hamilton assumir logo e acabar com essa dor de cabeça diária para as Forças Armadas, as das ativa, naturalmente?
A propósito, nessa mesma notícia do Valor, está lá dito que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sempre com a mediação solícita de Fernando Henrique, tem se reunido também com comandantes militares, ainda que não especificados. Pode ser que Maia tenha se dado a missão de acalmar esses comandantes, assegurando-lhes que não há hipótese, ou de impeachment, ou de autorização para julgamento pelo STF. Mas pode ser também que não. Porque o presidente da Câmara, nem é muito fã do Centrão do Arthur Lira, nem esse mesmo Centrão é conhecido por morrer abraçado com quem quer que seja.
E, por último, o igualmente ministro do STF, Alexandre de Moraes, e sua equipe de investigadores da PF andam por aí prendendo gente, quebrando sigilos bancários e fiscais, de gente, com mandato parlamentar inclusive, acostumada a habitar os arredores do Planalto e do Alvorada. O que pode dar em nada, mas também pode dar em alguma coisa, e, se der, pode chamuscar também fardas, e não apenas ternos e gravatas.
Por isso, quer se queira ou não, é inescapável que, neste momento ingrato da história do país, além de Jair Bolsonaro, acabemos falando também tanto de Hamilton Mourão, apesar da ojeriza que lhe causam a foice e o martelo de hipotéticos manifestantes, e não os morteiros que, não importa se 300, 30 ou 3, fascistas atiram sobre o prédio onde está guardada a nossa Constituição.
*Professor Emérito
Faculdade de Comunicação
Universidade de Brasília (UnB)