A disputa mais acirrada dessa última Olimpíada foi, sem dúvida, a luta pela conquista do maior número de medalhas. Tradicionalmente, os Estados Unidos eram o vencedor sempre isolado dessa modalidade. Por décadas, tiveram como concorrente a União Soviética, até que essa foi desmilinguida por Gorbatchov.
A batalha dessa disputa em Tóquio – travada agora contra a China, sua nova rival – só veio no último dia, quando os americanos ultrapassaram, por uma chapinha metálica de ouro, os asiáticos.
A nossa cobertura jornalística desse evento, como de quase todas outras disputas esportivas, não primou pela objetividade. Ficou mais para o pachequismo, que é a torcida frenética, herança de nossa paixão futebolística. E para o furor patrioteiro, que nos leva a acreditar que nossos atletas, especialmente os de origem mais modesta, maioritários, são os mais dedicados do universo.
Além da mera leitura numérica, o quadro de prêmio de uma Olimpíada poderia ser analisado, por exemplo, levando-se em consideração o PIB dos países ou sua população.
No caso da relação com o PIB, darei apenas um exemplo: Cuba, que obteve 15 medalhas e acabou em décimo quarto da classificação geral. É de longe o mais pobre dos primeiros quinze maiores vencedores. Teve, claro, melhores desempenhos nos anos em que recebia ajuda econômica da União Soviética. Considerando o fato de ser um país de renda média muito baixa (uma das menores na pobretona América Latina), seu desempenho esportivo é excepcional. Superado apenas pelo paupérrimo Quênia, dos grandes corredores de longas distâncias, o décimo nono na classificação final.
Ainda considerando o produto interno bruto, talvez se deva mencionar aqui o óbvio: as duas economias mais pujantes ocupam os dois lugares mais altos do podium medalheiro. Estados Unidos e China somaram 201 premiações.
Tão interessante, sem dúvida, pode ser uma conta que considere a população de uma determinada nação em relação ao número de vitórias que ela conquista numa Olimpíada. Nesse aspecto, destaca-se de maneira espantosa a Oceania.
Comecemos pela Nova Zelândia, que ocupou o décimo terceiro posto em Tóquio, logo atrás do Brasil, ao ganhar 20 medalhas. É um país de escassos 4,9 milhões de habitantes. Ou seja, sua população é quarenta e duas vezes menor que a brasileira. Quarenta e duas!
Passemos agora ao segundo país mais atlético do mundo, quando se observa a relação entre medalhas e habitantes. É a Austrália, que tem 25 milhões de habitantes e obteve 46 medalhas. Destrinchando: com população oito vezes menor que a brasileira ganhou o dobro de medalhas.
Mais um número: dividindo-se cada medalha conquistada pela Nova Zelândia por sua população, veremos que cada círculo de ouro prata ou bronze corresponde a 250 mil habitantes. Na Austrália, essa mesma relação seria de uma medalha para cada 540 mil cidadãos. No Brasil, a proporção seria de 10 milhões de pessoas por vitória.
Os números aqui apresentados nunca são considerados pela mídia brasileira que prefere fazer comparações com as nações europeias, todas elas com maior tradição esportiva e renda média bem mais elevada, como Alemanha, França e Itália.
Na velha Europa, talvez devêssemos nos concentrar no Reino Unido. Com uma população semelhante à de Itália ou França, e um pouco menor que a da Alemanha, o reinado de Elisabeth 2 faturou no Japão o dobro das medalhas obtidas por esses seus três vizinhos.
Então, talvez possamos aqui avançar um comentário provocativo: esporte é coisa dos anglo-saxões. Somados, os britânicos – que criaram a maioria dos esportes hoje disputados – mais as nações colonizadas maciçamente por eles (Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia) ganharam 308 medalhas.
Os três países orientais mais bem colocados em Tóquio (China, Japão e Coreia do Sul) conseguiram só a metade: 166 medalhas.
Por fim, podemos refletir sobre a América Latina, na qual o Brasil se destaca com alguma luz de frente, como diria um gaúcho amante de corridas de cavalo. Os sete países de fala portuguesa ou espanhola faturaram 55 medalhas, sendo 36 de Brasil e Cuba. A ex-riquíssima Argentina – que na virada para o Século XX possuía renda maior que a das grandes nações europeias – ficou com o sétimo posto da região com apenas três medalhas, nenhuma de ouro.
Será que, pensando em Paris, daqui a três anos, não deveríamos voltar nossos olhos para essa vizinha (fica no Hemisfério Sul) distante, a Oceania?
Certa vez um jornalista amigo me disse que, se ganhasse na loteria, se refugiaria na Austrália porque lá vigora a cultura anglo-saxã, de pleno respeito aos direitos individuais, em um clima semelhante ao nosso. Um clima civilizado. Um clima que permite a prática desportiva ao longo de todo o ano sem os invernos selvagens que fustigam as nações do Norte.
Como perguntar não ofende, não seria o caso de indagarmos de nossos dirigentes esportivos: vocês prestaram atenção ao que ficou bem claro no quadro de medalhas de Tóquio?