O governo Bolsonaro entra no terceiro mês… quer dizer, vai entrar ainda na semana que vem. Afinal, nem mesmo os militares (os escolhidos pelo presidente e os eleitos pelo povo para trocar a farda pelo terno e atuar no Congresso Nacional) são “Caxias” a ponto de trocar o carnaval por qualquer ordem unida…
Mas, de qualquer maneira, Jair Bolsonaro entra na reta final para os emblemáticos 100 dias de governo sem conseguir se livrar de problemas que, se previa, iria enfrentar desde que sua vitória ficou patente: dificuldade de comunicação fora das redes virtuais, descoordenação, base inexperiente no Congresso e, consequência dessa inexperiência, declarações e ações equivocadas (algumas bem equivocadas) de ministros, dele mesmo, presidente, e dos filhos dele.
A agenda do presidente da República, na quinta-feira, 28 de fevereiro, podia ter marcado o começo de um novo jeito de Jair Bolsonaro atuar desde que assumiu o Palácio do Planalto. Ficou mais para um tiro no pé, ainda que de raspão.
Naquele dia, o capitão, como o tratava o ex-ministro Gustavo Bebianno, produziria a sempre almejada pauta positiva. Recebeu o autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, e teceu todas as loas à democracia, numa atitude que reduziu (pouco, mas reduziu) a péssima impressão deixada pelo discurso pronunciado, menos de 48 horas antes, na posse da nova diretoria de Itaipu, quando chamou de “estadista” o notório ditador paraguaio, Alfredo Stroessner. Mas isso, convenhamos, repercute mais para fora, do que para dentro, que é aonde o presidente precisa de apoio popular e parlamentar.
Escorregão
O que marcaria o acesso do presidente ao mundo extra-redes sociais foi o encontro com um grupo de jornalistas dos principais veículos de comunicação do país. Era hora dele mostrar que a veemência tuiteira da campanha contra o jornalismo e os jornalistas, que culminou com a pecha de inimigo que Bolsonaro atribuiu a um vice-presidente da Rede Globo, daria lugar a um jeito mais tranquilo de tratar a mídia e seus representantes.
Ladeado, creio que por uma mera casualidade, por um ex e um atual Global – Alexandre Garcia, à direita, e Heraldo Pereira – o presidente foi apresentado pelo general Rego Barros, porta-voz do governo, como um amigo respeitador da imprensa. Outros dois generais estavam à mesa: o vice, Hamilton Mourão, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. Presente, também, o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil.
Para garantir que era um encontro de amigos, o porta-voz até liberou as piadas… “Podem contar que nós vamos rir”, disse o general Rego Barros. O presidente contou piadas com algum sucesso, dizem.
Mas, na hora de falar sério, e logo sobre a reforma da Previdência (ou a Nova Previdência, como diz a campanha do governo), o presidente fez o que aliados – especialmente na equipe do ministro Paulo Guedes – devem ter considerado uma piada, se não de mau gosto, de gosto um tanto duvidoso.
A idade mínima para aposentadoria é tida, por todo mundo, como um dos pilares dessa Nova Previdência. E é, também, o que mais provoca reações contrárias.
Só depois de muitas conversas, o texto da proposta de reforma foi fechado com 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Na verdade, dentro da equipe econômica, a ideia inicial era 65 anos para todo mundo.
O presidente – para desgosto dos aliados e gáudio da oposição – disse que pode reduzir a idade mínima para que as mulheres se aposentem. Tirou, assim, mais um pouquinho da já tênue estabilidade da proposta do super-Paulo Guedes.
Guedes e Moro
Perguntada sobre como mobilizar a base em torno da idade mínima se o próprio presidente diz que pode ceder antes mesmo de o debate parlamentar ter início, a deputada iniciante Joyce Hasselmann (PSL/SP), líder do governo no Congresso, não encontrou saída melhor do que dizer que Bolsonaro se expressou mal. Não foi isso que ele quis dizer, afirmou a líder.
A falta de traquejo para a negociação política atravessa a Praça dos Três Poderes e chega ao Congresso e alcança a Esplanada dos Ministérios. E a fraquejada em relação à idade das mulheres, que obrigará o ministro Paulo Guedes a endurecer nas tratativas da reforma previdenciária, não foi a única tropeçada na quinta-feira pensada para ser positiva.
Numa demonstração de que ainda não se libertou plenamente da influência dos militantes do twitter, o presidente deu um tom meio marrom à carta branca entregue a Sergio Moro para que o ex-juiz assumisse o super-Ministério da Justiça. Alguns tuiteiros não gostaram da nomeação da cientista política Ilona Szabó para uma suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ligado ao Ministério da Justiça.
Ilona é contra a redução da maioridade penal e defende a legalização das drogas, o que causa arrepios nos seguidores do presidente nas redes sociais. Bolsonaro pediu que Moro voltasse atrás.
Ilona foi demitida algumas horas depois de ser nomeada. Na esteira da desautorização do ministro, o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, pediu demissão do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária em solidariedade a Ilona.
Na conversa com os jornalistas, o presidente garantiu que os filhos dele não mandam no governo. Mas o deputado federal Eduardo Bolsonaro comemorou as demissões de Ilona e Renato Sérgio como se fosse uma vitória pessoal.
Três alas diferentes no governo
Vai ficando clara a divisão do governo Bolsonaro em, pelo menos, três alas: a dos ministros militares que atua politicamente muito bem (foi o general porta-voz, sob comando do general Santos Cruz, Secretário de Governo, que produziu o encontro com os jornalistas), a ala civil, onde tem gente chamando os brasileiros de canibais e ladrões de salva-vidas de avião e gente tendo que se explicar por supostos malfeitos na eleição, e a banda dos políticos que, por enquanto, trabalha no sistema cada um por si e luta pela volta do toma lá, dá cá…
Ou o presidente dará um jeito de coordenar tudo isso, ou teremos três governos paralelos no Brasil… Aquele encontro com os jornalistas foi um primeiro e bom passo.
Nada melhor do que a palavra do líder para manter os liderados coesos. Não sei por que o presidente ainda não abriu, já que gosta tanto das redes, um canal de comunicação com os servidores.
Quem sabe, o presidente, uma vez por mês – ou sempre que ele achar interessante – não reserva alguns minutos da agenda para conversar com os colaboradores do seu governo? Mandar uma mensagem, responder perguntas.
Enfim, dar voz a quem fica lá na ponta, ouvindo reclamações no balcão, pedindo paciência para os pagadores de impostos, com a obrigação funcional de defender os projetos e programas oficiais. Afinal, quanto melhor estiver por dentro, mais sinais positivos o governo vai emitir para fora. É tudo comunicação.
* Fernando Guedes é jornalista, sócio da SHIS Comunicação