A rigor, nada tenho a ver com a diária paga por alguém a hotel. Tampouco com o hotel onde resolve se hospedar. Cuido da minha vida e procuro não me intrometer em assuntos que não me dizem respeito.
O caso deste artigo, entretanto, é de interesse público. Diz respeito a ex-presidente da República, em campanha para retornar ao Palácio do Planalto como candidato pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Durante os dias em que esteve em Brasília, para contatos políticos, Luiz Inácio Lula da Silva se hospedou no hotel Meliá, em apartamento de 183 metros quadrados, ao preço de R$ 6 mil a diária. A informação não desmentida retirei de “O Estado”, edição de14/7, página A7.
Procurada pelo jornal, a assessoria do PT justificou as dimensões do apartamento como necessárias para “atender a sua equipe de apoio, e os dirigentes políticos que o acompanham em suas instalações”. Destacou, também, que “todas as despesas relacionadas aos deslocamentos de seu presidente de honra são realizadas pelo PT, conforme a lei e rigorosamente informadas à Justiça Eleitoral, que as divulga”.
Vamos aos fatos. Os partidos políticos brasileiros são duplamente beneficiados pelo Tesouro Nacional. Recebem dinheiro do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), R$ 939 milhões em 2021, e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral). Do ponto de vista da ficção jurídica, as verbas são provenientes dos cofres federais. No plano da realidade, entretanto, são mantidos com dinheiro dos contribuintes. Tesouro Nacional, tesouros estaduais e municipais não têm recursos próprios. Nada produzem. Arrecadam e gastam quase sempre, de maneira perdulária.
Os partidos anteriores ao golpe militar de 1964, como PSD, PTB, UDN, PSP, PDC, PSB, viviam de contribuições voluntárias de filiados e simpatizantes. Nem por isso deixavam de ser combativos. Foram extintos autoritariamente pelo artigo 18 do Institucional nº 2, de 27/10/1965, baixado pelo presidente Castelo Branco.
O regime militar (1964-1985) determinou a criação de duas organizações de caráter partidário: a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Para custeá-los o presidente Castelo Branco, ingênuo em questões políticas, fez aprovar a Lei nº 4,740/1965 – Lei de Organização dos Partidos Políticos – cujo artigo 60 instituiu o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos. Suponho que não imaginava o monstro que havia gerado.
Para garantir a perenidade do Fundo, a Constituição de 1988 tratou de incluí-lo entre os direitos assegurados aos partidos. Alguns anos depois, deputados e senadores insatisfeitos aprovaram as leis nºs 13.487 e 13.488, ambas de 2017, destinadas à criação de nova fonte de renda, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), hoje no valor aproximado de R$ 4,9 bilhões.
A União Brasil, presidida pelo deputado Luciano Bivar foi aquinhoada, pelo FEFC, neste ano, com a quantia de R$ 770 milhões. A seguir vem o Partido dos Trabalhadores, com R$ 484 milhões. Na terceira posição, o MDB com R$ 356 milhões. Todas as informações sobre o FEFC estão disponíveis na internet. Ao PCdoB coube R$ 74,48 milhões.
As despesas de hospedagem do antigo operário metalúrgico Lula no Meliá foram pagas pelos contribuintes. Eu, você, os familiares, amigos e vizinhos arcamos com o custeio das reuniões do candidato em Brasília e em qualquer outra parte do território nacional, ou no exterior, para onde deseje se deslocar. A crítica é válida para praticamente todos os partidos e candidatos. São poucos os que resistem ao impulso de delapidar dinheiro público em proveito próprio, de cupinchas e de familiares.
As leis sobre o Fundo Partidário e o Fundo de Financiamento de Campanha foram escritas e aprovadas pelos interessados. Caso típico de legislação em causa própria. Para um País com 11 milhões de desempregados, 6 milhões de desalentados, 33,3 milhões de pessoas que vivem em situação de miséria, 40 milhões na linha da pobreza, ambos os fundos são a prova cabal de que o mundo político é majoritariamente integrado por pessoas moralmente desqualificadas.
Partidos e candidatos nutridos pelo Fundo Partidário e pelo Fundo Especial de Financiamento de Campanha são fariseus, falsos, hipócritas, quando prometem cuidar das camadas carentes da população. Estivessem dizendo a verdade, assumiriam o compromisso de, em nome da moralidade e da decência, extinguir ambos os Fundos nos primeiros dias de governo.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.