Deus não criou o Centrão

Só o diabo pra entender essa turma

Costumo recomendar, a quem tem dificuldade de ler Machado de Assis, que comece pelos contos. Tenho predileção por alguns, e, vez por outra, torno a lê-los. Machado, além de dominar a arte da escrita, conhece como poucos a alma de suas criaturas. No genial A igreja do diabo, ele trata da eterna contradição humana. Vou resumir a história, mas sugiro que busquem o texto original para desfrutarem da genialidade do autor, cuja escrita por si só, independente do que está abordando, já vale conhecer.

O diabo cansou de ser coadjuvante e resolver fundar sua própria igreja. Subiu aos céus para falar com Deus e contar a novidade, disse-Lhe que abriria uma igreja porque percebia que mesmo as pessoas mais virtuosas não se furtavam a cometer pequenos pecados. Deus não deu muita bola para a novidade, conhecedor profundo de sua criação, já antevia o que iria acontecer. O diabo chegou à terra e tratou de divulgar sua nova doutrina, na qual as virtudes divinas deveriam ser substituídas por outras, mais naturais e legítimas.

Assim, os sete pecados capitais (soberba, luxúria, preguiça, avareza, ira, gula e inveja) passaram a ser tratados como virtudes a serem praticadas. A igreja foi fundada e a doutrina propagada com sucesso pelos quatro cantos do mundo. Logo aconteceu o que o diabo previu e ele exultou, achando que triunfara. Mas os anos se passaram e ele começou a perceber que seus fiéis estavam praticando as antigas virtudes às escondidas.

Os glutões passaram a comer frugalmente alguns dias da semana, os avaros passaram a dar esmolas, um de seus mais fiéis súditos passou a se confessar toda semana com um cônego e a fazer o sinal da cruz constantemente. O diabo ficou perplexo e, cheio de raiva, resolveu falar novamente com Deus para saber a causa secreta daquele comportamento. Deus, do alto de sua sabedoria, cheio de complacência, explicou ao diabo: “É a eterna contradição humana”.

Presidente Jair Bolsonaro com os filhos Flávio, Eduardo e Carlos – Foto Reprodução Instagram

Escolhi esse conto para ilustrar o momento que estamos vivendo. A pastora defensora da família manda matar o marido. O ministro do meio ambiente defende o afrouxamento da legislação que preserva o meio ambiente. O presidente que se diz conservador usa mais palavrões do que o mais liberal dos mortais, e tem filhos com três mulheres. Ele, que se elegeu sob as bênçãos da lava jato, está conseguindo enterrar a operação, coisa que PT e PMDB juntos não conseguiram. Ele, que se apresentou como o paladino da honestidade, está todo enrolado, com seus filhos, atual mulher e ex-mulheres, em rachadinhas, depósitos inexplicáveis e negócios grandes feitos com dinheiro vivo. Ele, que se diz cristão, defende o armamento e a violência. Deus, pelas penas de Machado de Assis, já explicou: é a eterna contradição humana.

Mas Deus se enganou em relação ao Centrão. Os parlamentares já acenderam vela para Lula e Dilma, depois lhes viraram as costas, e passaram a cultuar Temer. Agora rezam na cartilha de Bolsonaro. O diabo deve estar muito satisfeito com eles, porque esses são fiéis, com essa turma não existe contradição. Eles mantêm a coerência de estar sempre ao lado de quem é governo, mamando nas tetas do erário com muita competência. Até que outra igreja seja criada e lhes ofereça novas vantagens.
Conclusão: apesar de estar ligado à bancada evangélica, o Centrão não é coisa de Deus!

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