O que vem antes, a vida ou a economia? Esta não é uma polêmica real, pois, sem a segunda, as condições da primeira não se reproduzem. Desde que os homos viraram sapiens, vida tem a ver com o funcionamento econômico. Desta falsa polêmica, que tem dividido retoricamente o governo, os governadores, os congressistas e a opinião pública em geral, em busca de pontos de popularidade, redundam outras, como religar a máquina da economia ou esperar. Duas faces da mesma moeda recessiva, pelo menos sem uma vacina ou medicamento eficaz contra o organismo microscópico causador da pandemia. Não se sabe se os infectados pela Covid 19 podem se contaminar uma outra vez. Quantas mutações o vírus teve? Também não importa quantos estímulos e resgates econômicos sejam ofertados, as empresas não conseguem realizar fisicamente seus negócios.
Se reabrir, ainda que com isolamento somente de grupos de risco, pode haver uma contaminação mais ampla, impactando no PIB, empregos etc. A Itália experimentou esta convivência de vírus com suposta normalidade econômica e se aprofundou num caos sanitário. Esperar pode apenas realizar a profecia da depressão econômica (e psicossocial). A pergunta de fundo é se é possível chegar a um funcionamento correto da economia como expressão da vida humana, em vez de fazer da vida uma questão econômica. E não é uma visão socialista. Esta confusão é mera resultante de termos criado um mundo que não conseguimos mais compreender.
Não adianta muito julgar o presidente Jair Bolsonaro. Ele é apenas um indivíduo da espécie estimulado por seu instinto e inconsciente a encontrar um padrão seguro para conter a ameaça biológica, só depois isso se mistura ao complexo ideológico da política, da economia e outros, que é quando o chefe do Poder Executivo atua para reduzir danos em meio à tendência majoritária de recomendações isolacionistas, a fim de colher culpados ali na frente, diante do desastre que parece inevitável aos negócios e às condições sociais. Os ruídos sobre derrubá-lo são, do mesmo modo, respostas dos grupos que se sentem ameaçados pelas dele. No entanto, os que escolhem a autoproteção dependem dos que são estimulados a seguir um comportamento coronacético como Bolsonaro professa.
Como dissemos em artigo anterior, seja o que for o coronavírus – guerra biológica, efeito da depredação da Natureza – ele ativou o instinto de sobrevivência dos homo sapiens. O cérebro percebe que as respostas disponíveis vão deixando de servir e as procura fora do ego individual – é inevitável que o “programa” da cooperação cresça e se emparelhe com o da competição. Você acha que raciocina politicamente, socialmente e economicamente, mas, em primeira instância, o instinto coletivo é quem age, riscando uma linha entre quem tende mais à cooperação e quem tende mais à competição, colocando-os para alcançar um equilíbrio que seja compreendido como caminho seguro para progredir.
Mas como? No terreno econômico, desde sempre nosso problema foi a resposta autoafirmativa do ego ansioso, inseguro e deprimido diante das marcas da existência: a impermanência, a insubstancialidade. Tal reação foi a parteira do Poder, por meio da violência. Escravismo, Feudalismo, Capitalismo, Comunismo foram nomes diferentes para sofrimento com ciclos de apogeu e queda, como tudo que há, após fases de locupletação com exploração. Aliás, não se preocupe com as elocubrações sobre tramas que devolveriam corruptos ao poder aproveitando a cena. Corruptos existem na oposição, no muro e no governo desde sempre, mudam ciclos, fazem-se escolhas eleitorais, mas tudo sobe e desce. Há corruptos que vão morrer de coronavírus, outros não; uns vão cair, outros crescer; mas aqui, na vida real do nosso dia a dia, o que vale é não dar de barato que milhares de vidas podem perdidas para que o tipo de economia que nos legou a Covid-19 sobreviva. Por isso, apesar de ser só um apelo desesperado à ancestralidade, a ideia de que é melhor sacrificar os mais velhos pelo futuro dos mais novos é completamente enviesada: os que morreram e morrerão, a despeito da idade e comorbidades, devem ser honrados porque nos deram tempo e experiência para prosseguir em meio a este Walking Dead.
O que esta crise tem que nos ensinar nada tem a ver com teorias econômicas. Mas aqui é que é preciso demonstrar a capacidade de uma espécie que é a que mais rapidamente transmite cultura, porque evoluiu para a linguagem. A “consciência que fala” pode expressar meros instintos e emoções impulsivos; detectar a oportunidade de grupos humanos se imporem sobre outros, demarcando o território de quem seria mais ou menos apto a sobreviver, como os que acham que é a hora desta ou daquela doutrina social; ou, considero melhor, nos fazer perceber que é uma crise sobre generosidade, altruísmo, desapego, atenção plena, não-violência a todos os seres e não intoxicar a mente com a poluição que permeamos no espaço, no tempo e no som. Ao invés de fantasias místicas e “ecochatas”, essa assertiva só visa salientar a demonstração cabal da lei de causa e efeito, famosa lei do carma. Se da pandemia concluirmos nacionalismo, globalismo, militarismo, estado-vigilante, keynesianismo x austeridade, vamos criar causas para, no máximo, adiar o apocalipse.
A política não é a economia concentrada, é a relação de poder que estabelecemos com tudo e com todos, onde se inclui as relações econômicas. Por isso, em vez de hegemonia, o despertar; do liderar, o servir. OK, mas o que fazer de concreto? Não desistir dos coronacéticos e manter a postura cooperativa e autoprotetiva à luz de fontes confiáveis e diversas sobre as recomendações que preservam ao máximo a vida. Gostem ou não autoridades, executivos, sacerdotes, analistas, achólogos e políticos. Como disse Morpheus a Neo quando se desplugou da Matrix, calma, as respostas virão.