No passado, os consumidores não tinham grande influência sobre o que o mercado fornecia e acabavam consumindo o que lhes era oferecido. O exemplo histórico das palavras de Henry Ford, no início da indústria automobilística, “Seu Ford Modelo T pode ter qualquer cor, desde que seja preto”, diz bem desse momento. Da mesma forma, não havia nível de educação e informação que levasse eleitores a eleger políticos que atuassem de acordo com seus interesses e opiniões. E havia quase total desconexão entre os cidadãos e as grandes causas que de fato deveriam lhes interessar. Se empresas degradassem o meio ambiente ou empregassem trabalho escravo ou infantil, isso não afetava muito a opinião do consumidor.
Tudo isso mudou. O consumidor, o eleitor e o cidadão passaram a ser a mesma pessoa e cada vez mais tem voz e influência sobre empresas e políticos. O consumidor não está mais somente interessado no produto e associa o consumo às grandes causas; o eleitor faz considerações mais amplas no voto e o cidadão não quer dissociar causas de consumo e voto. Isso é o que acontece nos países desenvolvidos e está em franco crescimento no Brasil também.
Os cidadãos adotaram mundialmente, por exemplo, a causa das mudanças climáticas e a pauta ESG completa e punem com boicotes as empresas que não cuidam disso. Os políticos se enquadram e pressionam empresas e países que divergem dos seus eleitores, como aconteceu recentemente com a pressão europeia sobre o governo brasileiro no tema das queimadas na Amazônia. O problema não é o Macron, são os eleitores do Macron.
Esse movimento tem consequências interessantes. Antigamente as empresas multinacionais adotavam práticas diferentes nos seus países de origem e no mundo subdesenvolvido. Hoje, qualquer episódio negativo em qualquer lugar do mundo gera repercussões imediatas no mundo inteiro, o que provoca o efeito benéfico de pressionar todos os países a adotarem boas práticas, mesmo que a maioria dos seus cidadãos não tenha atingido ainda um nível de educação e informação que leve a adotar de início essas práticas.
Podemos ver isso no movimento pela diversidade, pelo meio ambiente e pelas exigências de compliance contra a corrupção puxadas pelas multinacionais no mundo, tudo integrado agora pela sigla ESG. Vozes antigas desinformadas, que defendiam uma suposta meritocracia de desiguais, começam a diminuir o volume ao ver a proliferação de empresas contratando minorias para redução das desigualdades.
Na recente invasão da Ucrânia pela Rússia, dezenas de empresas, surpreendentemente, se retiraram da Rússia em represália, certamente se antecipando às reações dos seus consumidores que tomaram o lado da Ucrânia. As sanções deixaram de ser apenas de governos a partir dos seus interesses políticos, muitas vezes sem conexão com os cidadãos e passaram a ser feitas por empresas.
Antigamente, também as informações eram monopolizadas pela imprensa tradicional que poderia influenciar opiniões. O fenômeno das redes sociais implodiu esse monopólio, às vezes para o bem e outras para o mal, às vezes com tentativas de manipulação digital, mas deu uma velocidade espantosa às repercussões de qualquer atitude, embora tenha dado velocidade imensa também às notícias falsas saídas da cabeça de qualquer um.
Nesse ambiente disruptivo, onde tudo que é sólido se desmancha no ar, como dizia o filósofo, é fundamental que se lute por liberdade e democracia, onde a educação e a redução de desigualdades têm papel fundamental para que se entendam adequadamente as ideias em circulação.