O edital convocatório de assembleia geral na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), revela o conflito que hoje divide a tradicional entidade sindical paulista. A nova diretoria, presidida pelo industrial Josué Gomes, se vê confrontada por Paulo Skaf, comandante da Fiesp nos últimos 18 anos.
Como advogado de sindicatos profissionais, conheço a Federação há mais de meio século. O primeiro presidente com quem dialoguei foi Theobaldo De Nigris. Seguiram-se Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Mário Amato, Carlos Eduardo Moreira Ferreira, Horácio Lafer Piva. Mantive relações de amizade com Roberto Della Manna, Paulo Francini, Paulo Roberto Pereira da Costa, Nildo Mazzini, entre tantos outros. Enfrentei, como leais adversários em dissídios coletivos, os advogados Benjamim Monteiro, Maria Romana, Deusdedit Goulart de Faria, Jaime Gamboa.
O sistema sindical brasileiro tem como um dos fundamentos a unicidade de representação. A Constituição veda a “criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município” (Art. 8º, II).
A unicidade, adotada contra diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não coíbe, porém, a formação de correntes divergentes. Empresários e trabalhadores são obrigados a conviver dentro de uma única entidade.
Quando presidente, Paulo Scaf instituiu Comitê Eleitoral independente, para fiscalizar a licitude dos pleitos. Participei de pelo menos três. O último sob a coordenação do professor Ives Gandra Silva Martins, com a presença da ministra do Supremo Tribunal Ellen Gracie. A candidatura de Josué Gomes foi lançada por Paulo Skaf. O pleito decorreu em clima de normalidade.
Divergências políticas no interior de sindicatos, federações e confederações nacionais, podem acontecer. Lembro-me de disputas acirradas. O momento, porém, desaconselha aquilo que o jornal O Estado de S. Paulo qualificou como “levante”.
O Brasil é vítima da mais aguda divisão político-ideológico da história. O conflito lulistas versus bolsonaristas rachou o povo ao meio. O regime democrático pressupõe o dissenso, desde que ordeiro e sem violência, ensina Norberto Bobbio (As Ideologias e o Poder em Crise, Ed. UNB, 4ª ed., pág.46). Consenso se exige apenas sobre as regras que presidem a competição.
Houve época em que a polícia era chamada para manter a ordem durante confrontos sindicais. Na Fiesp nunca aconteceu. A eleição de Josué Gomes decorreu em clima de tranquilidade.
A reboque da economia, a indústria brasileira atravessa período de graves dificuldades. O fenômeno da desindustrialização, como um dos causadores de desemprego, deve ser enfrentado com lucidez, competência e o vigor da unidade. Conhecemos as dificuldades enfrentadas, sobretudo por micro e pequenos empresários, incapazes de sobreviverem à insegurança provocada por já anacrônica e obscura legislação trabalhista.
Informam os jornais que a oposição “aperta o cerco a Josué Gomes” e que o empresário “reage à oposição que tenta tirá-lo da presidência da Fiesp” (O Estado, 12 e 16/12, págs. B1 e B11). Basta a publicidade conferida ao conflito para que a imagem da entidade da Av. Paulista fique embaçada. Afinal, a Fiesp sempre desfrutou de prestígio, sobretudo pelo ambiente de harmonia onde divergências são solucionadas com civilidade.
No primeiro mandato, o presidente Lula instituiu o Fórum Nacional do Trabalho, para dar partida à reforma sindical. Compareci à instalação em 29 de julho de 2003, no Palácio do Planalto. No discurso Lula se referiu à necessidade de modernização da CLT, atacou a unicidade e criticou a Contribuição Sindical obrigatória. Sobre a estrutura sindical disse: “Eu acho que este Fórum pode permitir, não sei quanto tempo vocês vão demorar, mas pode permitir que encontremos uma forma de organização sindical mais moderna, mais adequada, que o trabalhador não seja obrigado a estar filiado a um sindicato apenas porque a lei diz que ele tem que estar filiado àquele sindicato, sendo que aquele sindicato não representa condignamente os trabalhadores”.
O momento impõe cautela. As primeiras medidas tomadas por Lula causam perplexidade entre economistas, empresários e políticos que o apoiaram. O empresariado industrial paulista e brasileiro necessita de entidades sindicais coesas, para protegê-lo de medidas demagógicas, populistas e socializantes, propostas contra o pensamento liberal e a livre iniciativa.
Acautelem-se senhores. “Se a casa estiver dividida contra si mesma, tal casa não poderá subsistir” (Mc. 3;24).
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor do livro Mensagem ao Jovem Advogado