Concordata ou falência do ensino?

O caminho para que o Brasil deixe de ser uma promessa do futuro e se torne um país desenvolvido é a educação de qualidade

Foto: Daniel Guimarães / Educação SP / Divulgação

Como líder da Oposição pelo MDB, fiz na Assembleia Legislativa do Paraná, em 1978, para o Estatuto do Magistério, um estudo sobre a queda das verbas para educação. Foi uma CARTA ABERTA dos professores que me sensibilizou e faço questão de reproduzir algumas afirmações lá ditas como estas:

“Mais um ano letivo se inicia. Nós, professores, reencontramos, além do quadro negro, que é nosso material de trabalho, um quadro muito mais amplo e mais negro que é a situação da educação brasileira… A história nos mostra que a educação é a única alavanca capaz de guindar um povo da condição de ignorante e servil à condição de participante e desenvolvido” (…) ”mas o que vemos em nosso pais é a redução sistemática das verbas orçamentária destinadas à educação”. Alertavam os sofridos mestres em sua carta: “Essas reduções se traduzem em achatamento do salário do professor que vem tendo reajustes sempre inferiores aos índices inflacionários”.

Através dessa fórmula, o poder aquisitivo do professorado paranaense foi reduzido pela metade só nos últimos anos” (…) ”A partir de 1973, o Estado, visando economizar ainda mais na educação, transferiu grande parte da manutenção de taxas às associações de pais e mestres, que se veem obrigados a realizar rifas, festas e promoções”.

A desastrosa situação que intitulei como “REFORMA, CONCORDATA OU FALÊNCIA DO ENSINO” já passaram-se quatro décadas – uma geração de brasileiros, muitos ainda
analfabetos. Meras e esparsas tentativas se esboçaram, mas sem continuidade dos governos seguintes, como é o costume acontecer neste sistema de Salvadores da Pátria, onde a vaidade e o egoísmo do governo de plantão fala mais alto, tem resultado no desperdício de mais de 40 mil obras paralisadas como um estoque da incompetência e irresponsabilidade dos governantes, quando não sejam resultado da corrupção que não poupa nem a saúde e educação.

Neste ano do bicentenário da Independência, quando teremos que escolher mais um presidente, continuo sem ver dos candidatos qualquer PROGRAMA DE GOVERNO PARA EDUCAÇÃO. O lamentável quadro da educação brasileira pode ser constatado na estatística do IBGE de 2019, que apesar de tentativas como MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização dos anos 60/80, do Regime Militar) ainda persiste o humilhante analfabetismo dos que nem podem usar um simples celular.

Somos o 5º país em extensão territorial, o 6º em população e o terceiro em produção de alimentos com perspectiva de sermos o primeiro na próxima década. Porém, no ranking mundial feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sobre educação em 2021, estamos na 60º posição, atrás até de países subdesenvolvidos, mesmo que já sejamos considerados uma das potências
emergentes.

Observe-se que os países mais adiantados neste ranking da OCDE, em média gastam 5.5% de seus PIBs, menos dos 6%, que gastamos. Temos que entender que nossos pífios resultados se devem em muito pelo arcaico método de ensino e de má gestão do
nosso ultrapassado sistema de governo. Com o impeachment da Dilma, surgiu em 2017 a Lei nº13.415 que alterou a LDB, Lei das Diretrizes e Bases, aumentando o tempo mínimo de 800 para mil horas anuais, uma nova tentativa de melhorar o ensino fundamental para prover as novas demandas da força de trabalho.

“O Novo Ensino Médio – com implantação gradativa a partir de 2022 – representa um facho de luz sobre a maior mazela da educação brasileira. Há, sim, motivos para um elevado otimismo. Por mais de três décadas, por meio de artigos, em jornais e revistas, bem como em palestras, fui um crítico contundente do modelo vigente até 2021. Com 13 componentes curriculares, em geral desconectados do interesse da maioria dos estudantes, o Ensino Médio era uma jabuticaba muito nossa, que empurrávamos
goela abaixo dos jovens estudantes” afirmou em recente artigo o Professor Jacir Venturi, Vice Presidente do Conselho de Educação do Paraná.

Professor Jacir José Venturi – Foto: Arquivo Pessoal

Mas adverte o Professor Jaci: “(…) nós, brasileiros, somos bons em teorizar melhorias de qualidade na educação, porém medianos, quando não ruins, em implementar as medidas pragmáticas e de gestão, com as exceções de praxe. Onde estão os maiores desafios? São três: capacitação de professores, capacitação dos gestores escolares e estímulo de um maior comprometimento dos nossos estudantes”.

A constituição determina que a educação é um direito de todos e um dever do Estado, mas na prática isso nunca aconteceu. Agora, os candidatáveis estão se ajuntando em federações partidárias, mas ninguém diz, demonstra, comprova e explicita qualquer programa de governo ou de ESTADO para nossa educação. Surrealismo da nossa política fiscal que no governo Dilma e no atual foram cortados mais de 10 bilhões de verbas para a educação, enquanto o imoral Fundo Eleitoral vem mais que dobrando a cada eleição. De 2 bilhões de reais da última eleição, gastaremos mais de 5 bilhões nesta.

Nossos governantes precisam entender isso: Não se melhora educação enquanto nossos professores da escola básica e fundamental continuarem ganhando 4 a 5 vezes menos que nos países pobres e subdesenvolvidos. A minoria abastada pode mandar seus filhos para as escolas particulares, pois sabem que “EDUCAÇÃO É UMA HERANÇA QUE NÃO SE PERDE, UM DIREITO QUE NINGUEM TIRA E UMA LIBERDADE QUE NINGUEM LIMITA”. A fatídica realidade é que para cada 1 aluno da rede privada temos de 5 a 6 alunos na rede pública. O fraco desempenho da nossa educação fundamental só atinge os pobres para uma competição de IGUALDADE DE OPORTUNIDADES, não só para o resto de suas vidas, mas principalmente para ingressarem nas Universidades Públicas de ensino gratuito e, ironicamente, onde a maioria vem da classe mais abastada.

CAIC, no Piauí – Foto: Wikipedia.

Tenho para mim, como destacou o Professor Jacir Venturi, que o fracasso está mais no método de ensino. No Governo Collor, os CAICs (Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente), cópia dos CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública do Governador Leonel Brizola), na década de oitenta, cheio de boas intenções, mas descuidado na arquitetura faraônica e custosa de Niemayer.

Agora vamos tentar ter mais tempo de escola, mais ainda não conscientes que uma criança ou adolescente pobre ao passar o dia na escola, com atividades curriculares e recreativas o afasta do perigo das ruas e um prato de comida faz a diferença quando libera os pais para tentarem aumentar suas parcas rendas com mais tempo para trabalhar.

No Governo Itamar Franco, paralisou-se as construções dos CAICs, causa que levou algumas das fábricas de CAICs deixarem de fazer escolas passando a construírem cadeias e penitenciárias. Triste realidade que ofereceu a juventude como mão de obra cativa para o crime organizado, tráfico e milícias, grandes responsáveis pelo apavorante aumento da criminalidade e insegurança pública. Povo que deixa de fazer escola, acaba tendo que fazer cadeia.

Aqui n’OS DIVERGENTES – onde a liberdade de expressão e contraditório existe -, podemos levantar estas questões cruciais, quiçá até para ferir os brios da classe política (se é que ela os tem pelas raríssimas exceções apresentadas) clamando pela educação primária e fundamental, na esperança de que governantes, gestores públicos, magistrados e empresários idealistas e não só havidos pela ganância de acumularem, também ousem D I V E R G I R, divergindo deste sistema educacional superado e ultrapassado. Sem prédios faraônicos e com EDUCAÇÃO INTEGRAL JÁ.

Leonel Brizola e Oscar Niemayer observam a maquete do Sambódromo, no Rio de Janeiro – Foto: Reprodução

A questão que se coloca para melhor votarmos é saber o que os aspirantes à presidência pretendem fazer para criar um PROGRAMA DE ESTADO PARA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL, que possa nos posicionar como potência emergente. Não basta a cantilena dos candidatos e políticos de sempre repetirem, como até agora tem sido, que a educação é prioridade. Eles precisam dizer, demonstrar e explicitar como as mudanças podem ser viáveis para cumprir a exigência constitucional do artigo 208, I, da Constituição para termos escola gratuita e fundamental.

Discursasse hoje, não diria mais falência da educação, porque a garra e determinação obstinada deste POVO, sua índole pacifica e empreendedora, como dos migrantes do agronegócio que vieram de todos os quadrantes do planeta para aqui serem uma irmandade e não daqueles, que ainda ficaram no leste europeu, como russos e ucraínos que se enfrentam em mais uma imbecilidade da guerra destrutiva. Aqui, judeus e árabes convivem; católicos, evangélicos, maçons, islâmicos e budistas aqui se livraram do fanatismo.

Esta miscigenação também criou focos e cidades de primeiro mundo neste imenso território onde poderemos construir uma sociedade fraterna e humana pela via da educação. Uma destas cidades, que permito-me citar como exemplo transformador da educação, é minha cidade de Pato Branco, no Paraná.

Alceni Guerra foi deputado constituinte e ministro da Saúde – Foto: Orlando Brito

Foram colonos imigrantes do pós-guerra, que do Sul migraram para Sudoeste do Paraná e, em 1957, tiveram que empunhar armas para defenderem a posse de suas terras na inesquecível e legendária Revolta do Posseiros. Lá, em menos de 70 anos, pela educação conseguimos sair do arado de bois para a produção de chips de computador. Força viva de descendentes italianos, polacos, ucraínos, alemães que se mesclaram com caboclos e índios educando seus filhos com consciência cívica e política para que, em 1987, quando ainda éramos menos de 60 mil habitantes – ter sido a única cidade brasileira a mandar 3 deputados federais constituintes para Brasília. Este advogado e dois médicos. Borges da Silveira e Alceni Guerra, ex-ministros da Saúde instituidores do SUS e do Zé Gotinha.

Pato Branco ainda não tem 100 mil habitantes, mas é uma cidade sem favelas, sem crianças nas ruas, um município onde já se fazem transplantes do coração, detentor de um dos melhores níveis e padrões de vida. Administrações municipais conseguiram sem obras faraônicas e custosas manterem escolas de tempo integral pela dedicação e idealismo de seus professores e ativa participação da comunidade com doações para propiciarem o salvador prato de comida aos mais carentes. Sim, foram as creches, escolas municipais, estaduais, ginásios públicos e privados que permitiram chegasse o CEFET (Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná), Campus da UFPR, Colégio Militar, hoje contabilizarmos mais de 130 cursos universitários.

“Pato Branco passou de 5ª para 3ª cidade mais inteligente do Brasil entre os municípios com porte de 50 a 100 mil habitantes, segundo último Ranking Connected Smart Cities 2021. Já no Paraná e na região Sul do país, o município ficou em 1º lugar dentro da categoria de até 100 mil habitantes. Os destaques foram para Economia e Meio Ambiente, em que Pato Branco ficou entre os 10 melhores em todo o território nacional no índice geral”. Veja mais aqui. 

Os três ex-deputados constituintes, afastados de partidos e ideologias retóricas, ainda lutam pela educação e cidadania como se viu em dezembro passado, num ambiente sem preconceitos ideológicos e rusgas partidárias do passado.

Somos um centro de formação tecnológica com mais de 300 startups. Educação, nada
mais que isso, para descobrirmos a premente necessidade de um NOVO PACTO POLÍTICO via Constituinte Exclusiva, onde se fixará a educação com um PLANO DO ESTADO BRASILEIRO para tirarmos este gigante adormecido do seu berço esplêndido.

* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988 

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